A "sorte" de António Costa
Há a ideia que António Costa é um político experimentado, calejado, talentoso e dotado de grande sagacidade política. A tudo isto muita gente acrescentava ainda que era um político com sorte.
Não contesto nenhum dos atributos que lhe são creditados, e que lhe conferem inegável habilidade para a política. Não me parece é que seja um tipo com sorte, embora me pareça que se julga um tipo com sorte.
E é aí que as coisas se complicam porque, em vez de estar alerta para os azares que podem sempre estar à espreita, relaxa. Torna-se quase negligente mesmo.
Ou, então, sorte, é mesmo coisa que não lhe assiste.
Bem nos lembramos como tudo lhe corria tão bem há dois anos, e como andava eufórico com a diminuição do desemprego, o crescimento, a visita do Papa Francisco, e até a eurofestivaleira vitória do Salvador Sobral. De repente, vem Junho, tudo desata a arder e tudo lhe desaba em cima... Nem quis acreditar, não estava preparado para uma coisa daquelas. Ficou surpreendido, e isso só lhe aumentou os danos. Até porque, três meses depois, tudo voltou a arder. E como um mal nunca vem só, aconteceu ainda Tancos.
Dois anos depois, já com as eleições à porta, tudo voltava a correr bem. Bons resultados económicos, mesmo apesar da desaceleração, desemprego em mínimos, e... défice em quase zero. Já ninguém se lembrava dos incêndios, nem de Tancos, e as sondagens animavam. Não apontariam para a maioria absoluta, mas davam para ganhar por muitos.
De repente, à falta de melhor, Paulo Rangel lembra-se de uma coisa que ainda não tinha lembrado a ninguém - que no governo, empossado por Cavaco Silva lá vão quase quatro anos, uma ministra é mulher de um ministro, e outra é filha de outro.
António Costa sentiu vontade de rir. O caso não seria para menos: "mas quem é que pega numa coisas destas" - pensou. Não está toda a gente farta de saber que são marido e mulher e pai e filha?
Não teve sorte. E não tinha estado alerta!
Realmente o tema não tinha por onde se pegar, mas estava aí. E para que não saísse daí, nada melhor que pôr Carlos César a falar dele. Cavaco, quem menos autoridade tinha para isso, deu-lhe gás, mesmo enterrando-se até ao pescoço. E os jornalistas, sabendo que dali não saía nada, mas que era por ali, foram procurar onde realmente havia que procurar - nos inesgotáveis tachos preparados para alimentar a rapaziada que se espalham pelos gabinetes e assessorias de S.Bento ao Terreiro do Paço.
Aí, encontraram uma verdadeira mina. Tem sido um fartote, com tudo em família... E António Costa, sem fazer ideia de como travar a avalanche que lhe está a cair em cima, vê a vida a andar para trás. É que, agora, nada importa que todos os governos anteriores, tenham feito igual. Ou que Cavaco tenha até feito pior.
Talvez agora se convença que não tem sorte. Mas convém que não se esqueça que a sorte dá sempre trabalho. Raramente cai do céu.