Abriu-se a porta que não deveria ser aberta*
Quando há mais de 20 anos ouvimos falar da ovelha Dolly, e soubemos do primeiro mamífero clonado a partir de uma célula adulta, percebemos que, mais cedo ou mais tarde, viriam aí problemas.
Aquela ovelha simpática, entretanto já desaparecida, nascida e criada na Escócia abria uma porta que todos sabíamos onde acabaria por dar. Não sabemos quantos entretanto tenham tentado passar por essa porta, porque muitos certamente que o fizeram em silêncio. Sabemos agora que um cientista chinês, formado em universidades americanas e entretanto regressado à China, garante ter conseguido fazer nascer os primeiros bebés, dois gémeos, geneticamente manipulados em laboratório. E afirma estar já em curso uma terceira gravidez a partir de embriões alterados laboratorialmente.
A notícia surgiu no início da semana mas, estranhamente, não teve especial repercussão mediática. Mas sabe-se como é a agenda mediática nos dias que correm…
A ocorrência não está confirmada – nem negada – por qualquer entidade independente, e o resultado do estudo não foi publicado em qualquer revista científica. Mas isso não tem se não a ver com as reservas éticas da comunidade científica internacional. Isso não é mais que a mola de resistência que a comunidade científica aplicou à tal porta.
A modificação de genes de embriões humanos é proibida em muitas partes do mundo. Mas, nem isso garante nada, nem o é em muitas outras. Como na China… A ética tem fronteiras que nunca deveriam ser passadas e portas que nunca se deveriam abrir. Mas há sempre fronteiras fechadas à ética e de portas abertas a todos os horrores de que possam de alguma forma aproveitar.
Abriu-se na China – dá vontade de perguntar: onde mais poderia ter sido? - a porta que não se podia abrir, mas que há 20 anos se sabia poder vir a ser aberta. O que aí vem não cabe sequer na imensidão do cinismo do cientista chinês quando, no fim, afirma que, agora, cabe à sociedade “decidir o que fazer de seguida”.
* A minha crónica de hoje na Cister FM