Absolutamente
A surpreendente - absolutamente inesperada - maioria absoluta do PS nas eleições de ontem prova como as narrativas, em política como em muitos outros aspectos da vida, podem ganhar vida própria, com a criatura a sobrepor-se ao criador.
A estratégica de António Costa resultou em pleno. Nem tudo correu como era suposto, mas também não fugiu muito disso. Apenas pareceu que fugira, em determinados momentos. Especialmente quando o PSD reagiu a antecipar os seu calendário interno, e Rui Rio pareceu ganhar um novo fôlego e sugerir uma dinâmica de vitória.
A maioria social de esquerda é estrutural na sociedade portuguesa. Não é fácil de alterar. Por isso Costa sabia que só tinha de ir "roubar votos" à sua esquerda, para o que lhe bastaria explorar a narrativa criada sobre o chumbo do orçamento, contando com toda a máquina do main stream.
Este era guião, o resto teria de ser ajustado no percurso. Aí começou por fazer de "maioria absoluta" expressão proíbida, para depois a tornar palavra chave. Pareceu não correr bem, e introduziu o diálogo. Com todos, excepto com aquele que era óbvio. Tanto ziguezague poderia correr mal, mas a chegada do empate técnico às sondagens resolveu o problema.
Diz-se que as sondagens falham. Não é verdade. As sondagens são a fotografia de cada momento. E no momento de depositar o seu voto muitos eleitores de esquerda, perante o espectro do empate técnico que, ou abria perspectivas da reedição da fórmula parlamentar da geringonça, inviável por tanta diabolização, ou abria um horizonte à direita, evidentemente com o Chega como protagonista, entenderam votar pelo seguro - o voto útil no PS. Que arrecadou mais 380 mil votos, 350 mil dos quais perdidos pela CDU e pelo Bloco. O PAN perdeu ainda 85 mil votos, bem mais que os 30 mil que compõem os ganhos dos socialistas que sobraram da conquista à esquerda.
A abstenção caiu significativamente, e isso saúda-se. Parece ter sido a direita que mais ganhou com a redução da abstenção, o que também não surpreende. Na realidade nada é mais surpreendente que a maioria absoluta, dada como uma impossibilidade para qualquer partido isolado por todos os analistas, e apenas explicada pela dinâmica do voto útil.
Poderá ser-se levado a admitir que tudo mudou no xadrez político nacional. Não terá sido bem assim, e provavelmente só a morte política do CDS, de resto sobejamente anunciada, e sem exagero, tem contornos decisivos. O Chega, preocupantemente como terceiro partido, é certo, dificilmente deixará de constituir o epifenómeno que efectivamente é. Ao contrário da Iniciativa Liberal que, com os quadros que já tem, e com os que irá buscar às cinzas do CDS, mas também a um PSD que continuará à espera de um Messias, tem tudo para continuar a crescer.
A esquerda do PS tinha o destino destas eleições traçado. Só que foi mais cruel do que o que esperaria. O Bloco foi o grande derrotado destas eleições, mas sabe-se que foi derrotado pelo voto útil. E o voto útil são votos emprestados, são resgatáveis. Mas é preciso fazer por isso, e esse é o desafio que o Bloco tem agora entre mãos. O PC é menos vulnerável ao voto útil, e não terá sequer essa miragem de resgate, pelo que terá de se enquadrar esta derrota no cenário de perda constante de eleitorado. Para já ficou sem o PEV, o partido parasita que nunca teve vida própria. Não virá agora a tê-la, certamente.
O PAN e o Livre são agora os dois partidos de um deputado só. O PAN perdeu, mais deputados ainda que votos, sem surpresa. O que trouxe de novidade, não conseguiu segurar. Não tem substância para mais. E o Livre .... é Rui Tavares. E esse merece ser deputado!