Acrescentar tragédia à tragédia
Os números (infectados, internados e mortes) da pandemia não param de crescer, atingindo a cada dia níveis nunca antes imagináveis. Para já só num deles vemos limite - no dos internados. Esse não irá continuar a subir, porque já bateu no tecto.
A opinião pública começa a ficar a sensibilizada para a tragédia, não que tenha mudado muita coisa na comunicação, mas porque praticamente toda a gente sente já doença no seu espaço de relação mais próximo. Mas não são ainda muitos os que têm uma verdadeira noção da tragédia que se está a viver nos nossos hospitais. Já não havia espaço para receber mais ninguém, nem para depositar cadáveres. Agora já nem há morfina para aliviar o sofrimento de uma das mais violentas mortes. Face aos escassos meios disponíveis é cada vez mais baixa a linha etária que marca a decisão de investir ou desinvestir no salvamento de uma vida.
É assim que as coisas estão. Sim, e é por causa do Natal. Hoje já não restam dúvidas. Enfermarias cheias com pessoas que, todas sem excepção, contam uma "história de Natal".
Entretanto também o Presidente da República está infectado. Ou não. Num teste não está, noutro já está, noutro volta a estar, e noutro volta a não estar. Esperemos que não esteja, e que, se estiver, recupere rapidamente.
A campanha eleitoral está praticamente suspensa. As eleições é que não. Lá continuam marcadas para o próximo dia 24, quando os especialistas apontam para 20 mil novas infecções por dia, um número inimaginável há poucos dias.
Não sei o que é preciso fazer para adiar as eleições. Não tenho dúvidas é que não se deviam realizar nesta altura, e que alguma coisa tem ser possível fazer. Realizá-las é certamente um atentado à saúde pública, à democracia ou a ambas. Os cidadãos responsáveis são confrontados entre o dever de ficar em casa e o de votar. E a responsabilidade de ficar em casa, nas condições actuais, sobrepôe-se à de votar.
A abstenção, que já seria elevadíssima pelo rumo que as coisas eleitorais por cá tomaram há muito tempo, é agora de todo incontrolável. A probabilidade de ter um Presidente da República eleito por menos de um quarto dos portugueses é enorme. E o risco de ser produzido um resultado eleitoral completamente desfasado do sentimento da maioria dos cidadãos é hoje perigosamente alto.
Não consigo perceber que ninguém perceba que está a acrescentar tragédia à tragédia.