Ainda o TTIP
Na minha crónica de hoje na Cister FM, que a seguir repoduzo, retomo o TTIP.
"... Trata-se de um acordo de comércio livre, que anda a ser negociado entre a União Europeia e os Estados Unidos há perto de três anos e que visa criar a maior zona de comércio livre deste lado do mundo, a que chamamos Ocidente. Com inequívocos benefícios de centenas de milhares de milhões de euros para as economias da União Europeia, dos Estados Unidos da América, e até para o resto do mundo, dizem os seus defensores.
Nada disso, diz quem se lhe opõe: este acordo tem apenas por objecto eliminar o papel do Estado, seja na prestação de serviços públicos básicos, seja na regulação. Tem por objectivo maximizar as trocas entre a União Europeia e os Estados Unidos e reduzir tudo o que lhes possa constituir obstáculo.
Curiosamente, se procurarmos na Wikipedia, a primeira frase que encontramos para definir este acordo é esta: “O tratado visa impedir a interferência dos Estados entre os países aderentes…” Sabendo da tendência simplificadora de todas as enciclopédias, não deixa de ser curioso que esta que agora temos tão à mão, à simples distância de um clique, comece exactamente por aí: o traço de maior identidade do TTIP é justamente o da eliminação do Estado como obstáculo aos negócios.
Não menos curioso será reparar como, para os seus defensores, todos ganham. E muito. E tanto… “Quando a esmola é grande, o pobre desconfia” – diz-se por cá…
O secretismo que tem envolvido as negociações do acordo é outro dos pontos de clivagem entre quem o defende e quem o denuncia. Dizem os seus defensores que é raro – praticamente impossível – haver transparência na discussão de acordos de comércio. Pelo contrário, o padrão é o sigilo. Torna-se complicado garantir os interesses específicos das partes quando todas as posições são do conhecimento público.
É verdade que sim. E é por isso que política é uma coisa, e negócios são outra. O mal está quando os negócios querem tomar conta da política, introduzindo-lhe as suas regras. O segredo poderá continuar a ser a alma do negócio, mas a da política é a transparência. Não dá para conciliar!
Negócios em áreas como a alimentação, o ambiente, a saúde, a privacidade na internet, e a regulação financeira, por exemplo, são mais que negócios: são o nosso modo de vida. E o nosso modo de vida é política. Nada é mais política do que a forma que escolhemos para viver colectivamente…
Por isso o tema está em discussão em toda a Europa. Por isso mais de três milhões de alemães subscreveram uma petição para que o Acordo não seja assinado. Por isso, depois de, na semana passada, o Green Peace ter divulgado umas dezenas de páginas secretas do Acordo, o próprio governo francês ameaçou suspender a sua participação nas negociações.
Importa discutir se o acordo favorece as grandes empresas americanas e europeias, estrangula e sufoca as pequenas, se lança no desemprego mais de 600 mil europeus, ou se vai generalizadamente empobrecer a população europeia. Mas importa ainda mais discutir se não vai acabar com o maior património do Ocidente: a democracia. A forma de governação democrática que é a essência do modo de vida ocidental.
Em Portugal a discussão vai curta. E atrasada, como sempre".