Assim se esgotam as letras do alfabeto grego ...
Quando começávamos a regressar à chamada vida normal, depois mais de ano e meio de restrições e privações, voltamos à casa de partida. Sabemos que este regresso ao Inverno não trará o mesmo drama da morte do último, mas este regresso a mais uma vaga da pandemia e, com ele, o regresso às restrições que julgávamos ultrapassadas, não deixa de nos cair em cima como um gigantesco balde de água gelada.
Tinham-nos dito, e nós tínhamos acreditado, que a vacina despacharia o vírus. Tinhamo-nos iludido com a imunidade de grupo, e pensado que, vacinando-nos, estávamos a salvo. Orgulhávamo-nos de ter uma das mais altas taxas de vacinação do planeta, e de sermos uma comunidade com um negacionismo residual, e por isso insignificante para a tal imunidade de grupo. Com o passar das semanas fomos vendo como noutros países da Europa, como o Reino Unido, a Áustria ou a Alemanha, entre outros, a recusa da vacina estava a contribuir para a inversão da trajectória decrescente da pandemia. Mas continuávamos convencidos que, tendo feito a nossa parte, estávamos salvos.
Não estávamos, como ninguém está enquanto os outros não estiveram. Ninguém está, com noventa por cento da população vacinada com a terceira dose, enquanto noutras partes do mundo a cobertura pela primeira dose da vacina andar pelos 5 ou 6%, como acontece na generalidade dos países africanos. Enquanto esta desigualdade se mantiver rapidamente esgotaremos as letras do alfabeto grego em novas e sucessivas variantes do virus.
E esta desigualdade manter-se-á enquanto for entendido que o problema se resolve a fechar fronteiras, e a enviar para os países mais pobres as doses que sobram aos mais ricos. Enquanto em cada dia que passa houver mais seis terceiras doses aplicadas nos países ricos que primeiras nos pobres. Enquanto se não aumentarem os recursos para a produção de vacinas e se suspenderem os direitos de patente. E, já agora, enquanto ninguém explicar como é que a Covax, o programa da OMS para fazer chegar as vacinas aos países mais pobres, tendo o objectivo de distribuir 2 mil milhões de doses até ao fim do ano, o reduziu em Setembro para 1.425 milhões e, a um mês do fim do ano, apenas entregou 537 milhões de vacinas. Um quarto do objectivo inicial!