Brincar com o fogo
O preço dos combustíveis ameaça tornar-se no maior factor de instabilidade da sociedade portuguesa. É aquilo que os portugueses mais obviamente percepcionam, para além do que sentem na pele.
Sobem todas as semanas. Dá para comparar com as cotações do preço do petróleo - há nove ou dez anos o petróleo cotava pelos 100 dólares o barril, tem andado pelos sessenta, e só agora ameaça chegar aos 80. É dos mais altos da Europa, bem acima da média europeia, e dá para comparar com os salários mínimos dessa mesma Europa. Com a Espanha, aqui ao lado, para não ir mais longe. Se mais longe formos mais evidentes são as diferenças. E, conforme a imagem acima, sabe-se até que o preço dos combustíveis, sem impostos, é mais alto em Espanha que em Portugal, e bem mais que a média europeia, quando, no fim, com os impostos, aqui ao lado, o preço é até inferior ao da média europeia.
Por tudo isso, os preços da gasolina e do gasóleo podem muito bem ser a chave da ignição da mobilização do descontentamento generalizado dos portugueses que, como se sabe, não é electrónica - leva muito tempo a aquecer. Mexem muito mais com os portugueses que as questões do Orçamento: se é ou não aprovado, se o governo cai ou não, e se há ou não eleições antecipadas, instabilidade política e orçamento por duodécimos.
E no entanto o governo brinca com isto. Tem almofadas para tudo, tem margem para negociar isto e aquilo com os parceiros de aprovação do orçamento. Mas não tem almofada nem margem para baixar a carga fiscal sobre os combustíveis, e surge agora - ontem, a anunciar para hoje - a baixar o imposto sobre o gasóleo em 1 cêntimo e sobre a gasolina em dois. Porque, afinal, o aumento dos preços desde o início do ano, que já vai próximo dos 40 cêntimos, gerou um valor de IVA adicional (60 milhões de euros, diz) que entende dever, agora, devolver dessa forma aos consumidores em sede de ISP.
Os preços dos combustíveis, que integram todos esses impostos, são sempre actualizados no início da semana, à segunda-feira. Se isto não fosse uma brincadeira, esta insignificante redução seria incorporada no novo aumento da próxima segunda-feira. Mas não. O governo antecipou-a para hoje, sábado, para, depois de amanhã, os preços voltarem a subir. Para preços que bebem de um só golo essa descida. Os golos seguintes já são de novo por nossa conta.
Se isto não é brincar com o fogo...