Civilização*
Ainda mal refeito da polémica lançada pelo outro senhor no “Prós e Contras”, cada vez mais o velho lavadouro público da aldeia transportado para a televisão, que deixou o país em alvoroço com a tal coisa escandalosa das crianças não deverem ser obrigadas a dar beijos aos avós, o país voltou a entrar em ebulição com as fotografias da detenção de três suspeitos de roubos e agressões as idosos na zona norte do país, que dias antes haviam fugido em pleno tribunal.
Claro que uma não tem nada a ver com a outra, mesmo que as acções na origem de cada uma, e as posteriores reacções, tenham, e muito, umas a ver com as outras.
A questão levantada pelo tal senhor que, dizem, é professor numa universidade da praça, até faz sentido. O problema começou logo por não ter sido posto dessa maneira. Por não ter sido levantada como questão, mas lançada com a arrogância de uma certeza absoluta e indiscutível. A partir daí… valeu tudo. Porque nas redes sociais nada se perd(e)oa, tudo se transforma ... em crueldade cega e ilimitada.
A publicação da fotografia dos fugitivos acabados de deter, poderá perceber-se à luz da óbvia humilhação da polícia na fuga. Deixar fugir gente dada por perigosa pela janela de um tribunal é das maiores humilhações por que pode passar uma polícia. E daí a tentação da ostentação na recaptura, como um troféu redentor.
Só que a Polícia não serve para isso. A Polícia não serve nem para deixar fugir presos, nem para os expor como troféus. A Polícia serve, tem de servir, para preservar e defender os valores do Estado de Direito. Ao contrário, mais uma vez, da cultura das redes sociais, onde impera a lei de Talião, de “olho por olho, dente por dente”, a mais antiga lei da história da humanidade, anterior aos esforços de milhares de anos de civilização.
Os avanços civilizacionais são o resultado de milhares de anos a contrariar e sublimar os instintos mais básicos e primitivos do homem, para que a convivência harmoniosa seja possível em comunidades cada vez mais alargadas. Em sociedade!
O valor da dignidade humana é um desses resultados, porventura o maior. E justamente o que as redes sociais mais reiteradamente atropelam, de forma muitas vezes selvática.
Até para a semana. Ah… já me esquecia: “se Deus quiser”. Até para a semana, se Deus quiser!
* A minha crónica de hoje na Cister FM