Como seria bom crer
É nestas alturas, quando ela nos cheira de perto, quando se nos morrem, que sentimos a necessidade de acreditar que a morte não é um fim. Nesta altura, como em nenhuma outra antes, sinto-me penalizado por não ser crente. Gostava de poder acreditar que nada acabou, apenas aconteceu uma mudança de estadio, um upgrade da vida para a eternidade.
Que a minha mãe lá estava, a recebê-lo num abraço de doze anos de saudade, e a enchê-lo de beijinhos. Os beijinhos que incessantemente pedia nos últimos dias, e que nós lhe não podíamos dar, estava agora a recebê-los de quem mais importava que lhos desse.
Como seria bom crer nisso. Como seria reconfortante...
Há doze anos, quando a minha mãe partiu, não senti isto. Tinham sido longos meses de sofrimento atroz. Para ela, mas também para nós, a seu lado. Na altura aquele fim era o fim definitivo daquele sofrimento, que ela tanto pedia.
"Que Deus me leve, filho, eu não suporto mais". Também o meu pai o pedia frequentemente nos últimos tempos. Que já tinha vivido o suficiente, e que queria partir. Mas eu sempre senti que esse não seria esse o seu sentimento, que era apenas o seu modo de ser. Poderia estar errado, mas sempre senti que, pelo contrário, ele queria viver e temia a morte em vez de a desejar. E brincava com ele com isso. Às vezes ria-se...
Tinha boas condições de saúde, apesar dos seus 90 anos. Apesar de agarrado a uma cadeira de rodas há já uns bons pares de anos, e das dores na coluna e na anca. As sucessivas vagas da pandemia iam-lhe passando ao lado. Até chegar a altura de ser vacinado. Ia ser vacinado na semana em que acusou positivo!