Copo meio cheio ou meio vazio?
Com meia casa na Luz, no segundo jogo consecutivo em casa no regresso ao campeonato depois da vitória em Amesterdão e de se ficar a saber que o Liverpool é o freguês que segue nos quartos de final da Champions, o Benfica recebeu o Estoril. Tem sido em casa que as coisas têm corrido mal - ou pior, para bem dizer, porque tem corrido mal praticamente em todo o lado - mas hoje não havia que lembrar isso. Hoje importava saudar a equipa pelo feito na Champions, e ajudar a encaminhar os jogadores no rumo para a recuperação.
Por isso não faltou apoio à equipa, como de resto também não tem faltado. Não tem sido por aí que as coisas têm falhado.
A verdade é que hoje voltaram a falhar, acabando por se salvar o resultado - melhor, os três pontos da vitória. Nem deu para ficar com aquela sensação que a equipa até entrou bem no jogo, porque logo aos oito minutos o Estoril só não marcou porque a bola bateu no poste esquerdo da baliza de Vlchodimos. Que, logo a seguir, evitou o golo do espanhol Sória, com uma grande defesa. E seguiram-se mais de vinte minutos de de falso equilíbrio no jogo porque, se na verdade o Estoril não voltou a desfrutar de de oportunidades de golo - já tinha tido as mais flagrantes - estava melhor no jogo, controlando-o e jogando até de forma mais vistosa.
O Benfica era então um deserto de ideias, e tacticamente cheio de equívocos. O maior desses equívocos é já estrutural: os jogadores da defesa, com medo das suas costas, não sobem; e os do meio campo, com medo da defesa, encostam-se a eles atrás, deixando uma cratera entre os avançados e o resto da equipa. Nessa cratera jogam os adversários, à vontade, sem qualquer tipo de pressão.
É assim sempre, não foi só hoje. Só não é assim quando jogam todos a defender, como em Amesterdão. Aí já não há costas dos defesas, e os do meio campo e os da frente estão juntinhos numa única linha, encostados aos defesas.
Outro equívoco é Meité a jogar ao lado de Weigl. A defender e a segurar a bola, em registo puramente defensivo, é útil. Viu-se como o foi com o Ajax, na passada terça-feira. Fora desse registo é um travão. Não reconhece os momentos do jogo, acha que o seu papel é apenas o de segurar e prender a bola. E por isso mata à nascença qualquer transição ofensiva rápida. Se a bola lhe chegar, e na zona do terreno que ocupa é difícil que não lhe passe ali perto, é garantido que o adversário tem todo o tempo para se recolocar defensivamente.
Estava o jogo nisto, com a equipa do Estoril confortavelmente instalada no jogo a cobrar mais um canto, quando Rafa interceptou a bola, junto à linha lateral da grande área defensiva. Com um primeiro drible tirou da frente o primeiro adversário, o destinatário da bola no canto, e olhou à volta. Não apareceu ninguém a quem passar a bola, e resolveu arrancar por ali fora, sozinho. Correu, correu, correu ... sempre com a bola nos pés. Passou por um, dois, três ... Quando acabou de passar por todos, já só restava o guarda-redes. Estava demasiado encaminhado para a esquerda, e o Dani Figueira tinha-lhe fechado o ângulo de remate, mas conseguiu encontrar engenho e arte para lhe colocar a bola fora de alcance.
Um golo do outro mundo. Só ao alcance de Maradona. Ou de Messi. Poborsky também fez com o manto sagrado uma coisa muito parecida.
Um golo destes nunca se imagina que possa acontecer. Aconteceu neste jogo, e só poderia acontecer num jogo jogo como este. O relógio marcava o minuto 34.
Até ao intervalo a equipa pareceu ficar contagiada por aqueles segundos mágicos que Rafa demorou a ir de uma baliza à outra, e teve então o seu melhor período. Mesmo assim apenas por uma vez esteve próxima do segundo golo, por Gonçalo Ramos.
À entrada para a segunda parte foi o Estoril que voltou à carga, e Vertonghen salvou o golo do empate em cima da linha de golo. O que parecia ser o regresso do Estoril ao comando do jogo acabou por ser liquidado por Gonçalo Ramos - definitivamente um valor confirmado - que aos 8 minutos fez o segundo golo. Iniciou e concluiu a jogada com o golo, depois de tabelar com Gilberto.
O Estoril sentiu o golo, como sentira o primeiro. E o Benfica começou a levantar a questão do copo meio cheio ou meio vazio. Se quisermos ver o copo meio cheio, diremos que vinha de um jogo super desgastante, de elevada exigência, e que, por isso, teria que entrar em regime de controlo. De poupança. E iremos buscar aquela estória do acrescido grau de dificuldade dos jogos pós Champions. Se virmos o copo meio vazio, diremos que a equipa voltou a fazer uma demonstração de falta de ambição para partir para uma exibição e um resultado galvanizador e, depois, de falta de qualidade para assegurar o controlo dos jogos. E diremos que esta equipa nunca marca mais de dois golos. E que sofre sempre pelo menos um.
O golo de André Franco, praticamente no último lance do jogo, e até a sua própria exibição, se calhar leva-nos a ver o copo meio vazio.