Desigualdades e solidariedade
Convidado: Luís Fialho de Almeida
O estudo da organização não-governamental Oxfam, divulgado no passado dia 9, em Madrid, intitulado “Europa para a maioria, não para as elites”, vem revelar que a Europa está a registar níveis “inaceitáveis” de desigualdade em 2015, com um quarto da população da União Europeia (UE) a viver em risco de pobreza e de exclusão social. De 2009 a 2013 houve um aumento de 7,5 milhões de pessoas na UE em situação de pobreza extrema. Nesse mesmo período, o número de bilionários aumentou de 145 para 222, e continuou a crescer até hoje, para os 342. Já em Janeiro de 2014, a Oxfam divulgava um relatório que mostrava que o património das 85 pessoas mais ricas do mundo equivale às posses de metade da população mundial. Curiosamente, na mesma altura, a Universidade Católica Portuguesa e o Instituto Luso-Ilírico para o Desenvolvimento Humano, apresentaram um estudo que revela que os portugueses com mais habilitações e mais rendimentos são os que dão menos importância à solidariedade, à justiça e aos valores democráticos, comportamento que atinge 46.7% entre os que ganham mais de 4 mil euros por mês.
Na génese do agravamento das desigualdades está a perda de postos de trabalho, corte de salários e serviços públicos em vários países, como Portugal. O aumento de pobres e também dos bilionários é o resultado que o estudo da Oxfam classifica de “injustiça inaceitável”. O estudo denunciou ainda a “excessiva influência” que exercem os grandes grupos económicos e de interesse no seio da UE. Em 2014, 82% dos participantes dos grupos de peritos em matéria fiscal da Comissão Europeia representavam interesses privados ou comerciais.
Alberto Castro, num artigo de opinião no JN, em 07.10.2014, aborda a desigualdade na distribuição da riqueza, com base nas análises do economista francês Thomas Piketty, no seu livro “ O capital no século XXI”, onde este constata que o movimento de concentração da riqueza tende a acentuar-se, face ao actual quadro de globalização, sistemas de financiamento e poder nas empresas. A questão da (des)igualdade é polémica e muitos consideram que tudo se centra no objectivo mítico da igualdade de oportunidades. “Mas a desigualdade é, no essencial, uma questão moral e política, e que a partir de um patamar, se torna igualmente uma questão económica, o que é reconhecido por instituições insuspeitas de serem de esquerda como, por exemplo, pelo FMI ”. Justificam-se, assim, as políticas de apoio aos mais carenciados ao nível do emprego, da educação, mas também do seu rendimento, nomeadamente através do aumento do salário mínimo.
À escala global, recordo Franco Cazzola (in “O Que Resta da Esquerda”, 2011), sobre a falência dos partidos de esquerda, perante a falta de intervenção mais determinante no combate às desigualdades sociais, citando como exemplo o desequilibro remuneratório nas empresas: “Há 30 anos o gestor americano mais bem pago ganhava 90 vezes o salário do funcionário médio. Hoje ganha 400 a 600 vezes mais”.
Por cá, a coligação no governo tem dado uma ajuda ao agravamento das desigualdades com as políticas de austeridade, por vezes, além da troika. Ao nível da política externa, a recente abolição do poder judicial pelo presidente Obiang na Guiné Equatorial, país acabado de entrar na CPLP, com a condescendência dos nossos representantes, Passos Coelho e Cavaco Silva, é, também, de alguma forma, exemplo da fraqueza do nosso governo em matéria de combate às tiranias económicas e às desumanidades de alguns estados.
No actual quadro das migrações, a solidariedade à integração dos refugiados de zonas de guerra, é um imperativo, mas um esforço que o nosso governo timidamente se prestou a dar, mas que agora amplia, porque a sensatez e os exemplos de Angela Merkel e do Papa terão condicionado o desnorte de Bruxelas, que finalmente começa agora a concertar uma intervenção de apoio aos refugiados.
No combate às desigualdades e á exclusão social, a solidariedade dos contribuintes é possível, como diz a experiência, desde que estes percebam como, e em que são gastos os seus impostos, sendo dispensáveis os argumentos malabaristas, como os utilizados por Passos Coelho no passado debate com António Costa, a propósito do descalabro do BES e o consequente esforço financeiro a exigir dos contribuintes. Como alguém diz: “Na política pública, a transparência é essencial”