Dia do quatro
Quando a instalação sonora da Luz deu a conhecer o onze do Benfica para este jogo com o Portimonense, terão sido poucos, entre os quase 60 mil nas bancadas, os que ficaram desconfiados.
Num jogo em casa, contra um dos aflitos, que se sabia vir defender com toda a gente em cima da sua baliza, jogar sem qualquer ponta de lança, não fazia sentido. Como a embirração com Roger Schmidt é já mais que muita, soava a "invenção" - "lá está ele a inventar outra vez". Ou então a embirrar connosco, quando só nós é que podemos embirrar com ele.
Eu, que não sou de embirrar, e que acho que a motivação de um treinador profissional nunca poderá ser a de embirrar com ninguém, tentei perceber o que poderia ter passado pela cabeça do treinador do Benfica. Não tendo Tengstedt - claramente o "nove" da sua confiança para jogar da forma que é a sua - terá começado a fazer contas, pensei: somou os golos dos ponta de lança disponíveis e concluiu que, todos juntos, marcam bem menos golos que Neres, João Mário, Di Maria e Rafa.
Na minha cabeça aquilo começou a fazer sentido. E comecei a lembrar-me que venho há muito reclamando que o lugar de Kokçu é mais adiantado, na função condizente com o número 10 que Rui Costa lhe ofereceu. Que mais recuado, como tem jogado sempre, é um desperdício. Só que nessa posição joga o Rafa, e não deve haver ninguém, em perfeito estado de saúde mental, que possa achar que deva sair para jogar o internacional turco.
Portanto jogar sem ponta de lança era a fórmula de tirar o melhor de Kokçu e manter em campo quem faz golos. Correu bem. Schmidt não inventou nada, foi racional.
A primeira parte mostrou logo que a equipa jogava bem, dentro daquilo que é a ideia de jogo de Roger Schmidt. O Portimonense comportou-se como era esperado, a defender com todos em cima da área, protegida por um muro e ocupada por uma floresta de pernas. Não era fácil passar pelo muro e, depois, ainda desviar-se das pernas todas que surgiam. Mas o Benfica tentou. Por fora e por dentro. Em tabelas e diagonais. Por vezes mais pelo meio que o desejável, nem tudo era perfeito, mas a equipa nunca desistia. Nem nunca se desorganizava quando perdia a bola, não consentindo qualquer oportunidade ao Portimonense de sair lá de trás.
Não marcou, é certo. Mas criou uma mão cheia de grandes oportunidades para isso, com o guarda-redes Nakamura a defender tudo, já a ameaçar tornar-se intransponível.
Ao intervalo, o 0-0 não contava nada. O que animava as bancadas e espalhava benfiquismo era Diogo Ribeiro, e as suas duas medalhas de ouro.
Para a segunda parte nada mudou. E na verdade não havia nada que mudar, a não ser a bola entrar. Sabe-se que muitas vezes não entra, mas também se sabe que quando é bem jogada está mais perto de entrar. E que há coisas mágicas; às vezes apenas um número. O de hoje era o 4!
As bancadas usaram o minuto 4 para aplaudir António Silva, numa comunhão de sentimento de pesar pela perda do avô. Como guardariam o 87 para João Neves, entretanto já ambos no banco, pelas mesmas razões pela perda da mãe.
Foi em quatro minutos que o Benfica derrubou o muro, desbaratou a floresta de pernas. E Nakamura conseguiria defender tudo, menos quatro golos. E que golos!
Aos 10 minutos "o ponta de lança" Rafa, a passe de Bah, marcou o primeiro. De trivela, a enganar Nakamura. Dois minutos volvidos foi Neres, lançado por Kokçu, a fazer tudo, concluindo com um drible ao guarda-redes. E, mais dois depois, um passe de trivela de Rafa deixou a bola para mais um grande golo, de Di Maria - pois claro. Do trio de ataque faltava ele. Três golos em 4 minutos. E sem a pressão do resultado o futebol do Benfica ia-se refinando.
O número era o 4. Por isso o quarto golo - bis de Rafa, pois claro - apenas chegou à meia hora. Por isso Nakamura continuou a defender tudo. Por isso o golo foi anulado (e bem, por fora de jogo) à quinta vez que a bola entrou, num espectacular chapéu de Tiago Gouveia (que já substituíra Neres, e entrara com Florentino), que daria um golo para emoldurar.
Os pontas de lança entraram, sim. Mas já tudo estava mais que resolvido. Primeiro Arthur Cabral e, depois, já muito em cima dos 90, como é habitual, Marcos Leonardo. E claro, não marcaram.
No fim, fica um bom jogo, a dar ânimo às hostes. Até à próxima quinta-feira ... E fica a certeza que não temos mesmo lateral esquerdo. Que já se esgotou a experiência Morato, que o Alvaro Carreras está verde, e que nos valha Bah, que assim lá permite que Aursenes resolva mais esse problema.