Doce e amargo*
De vez em quando há notícias a que, à partida, não prestaríamos sequer atenção, mas que acabam por não nos deixar virar-lhes as costas. Foi o que aconteceu com esta, que não tem nada a ver com a língua portuguesa, mas tem tudo a ver com a língua portuguesa.
Dizia em letras gordas: "No Brasil, gigante da fast food McDonald´s também se chama “Méqui””. E era ilustrada por uma fotografia de uma loja em que, no reclamo, “Méqui” surgia ao lado do conhecido duplo arco (que também sugere o “M”, de McDonald´s). Irresistível!
Fui ler e percebi que se tratava de uma arrojada campanha de marketing deste gigante da globalização, presente em 200 países do mundo e que serve diariamente 70 milhões de clientes, em cerca de 40 mil estabelecimentos. E percebi que a McDonald´s percebeu o jeito que os brasileiros têm para pôr açúcar na língua portuguesa, acrescentando-lhe a musicalidade e a competência expressiva que a transformam numa das mais bonitas – se não mesmo a mais bonita - língua da humanidade. E percebi que percebeu como isso lhe poderia ser útil como instrumento de fidelização à marca.
As opções eram muitas – “Mecão”, “Mecoso”, “Mequizinho”… - mas ficou “Méqui, a meu ver o mais representativo deste gingar da língua, para dar nome a duas lojas, uma em S. Paulo e outra no Rio de Janeiro
Como comecei por dizer, uma notícia que não tem nada a ver com a língua portuguesa, tem tudo a ver com a língua portuguesa. Com a sua dimensão mundial, com a flexibilidade que o Brasil lhe acrescenta todos os dias, e com um potencial afectivo que não escapa aos criativos do Marketing da expressão máxima da globalização onde, por definição, tudo se guia por padrões tão estandardizados quanto o próprio modelo de negócio com que, em 50 anos, conquistaram o mundo.
E lê-se na notícia que não tencionam ficar por aqui. Que, num um mercado mais apetitoso que um Big Mac, o português adocicado faz bem ao negócio.
Acabamos de ler a notícia e ficamos a pensar na triste figura de uns quantos que, sem mais nada em que pensar, um dia se lembraram de parir um acordo ortográfico. Não devem fazer bem ideia do que é uma língua como a portuguesa, mas acham-se especialistas. Já lá vão quase 30 anos, e ainda não perceberam que azedou. Amarga. Sabe mal. Nem se pode cheirar!
* A minha crónica de hoje na Cister FM