Em estado de emergência
Poderá sempre dizer-se que há jogos assim em todos os campeonatos. O Benfica teve pelo menos dez oportunidades claras de marcar, entre as quais duas bolas nos ferros, uma na barra e outra no poste. E marcou apenas um golo, por acaso numa jogada fortuita, e afortunada. Um golo até algo caricato. E sofreu outro, num auto-golo, na sequência de um lance ilegal, que ainda se está por perceber como o VAR validou.
O problema é que o Benfica já não tinha campeonato para jogos assim. E quando já não há campeonato para jogos assim, simplesmente não pode haver jogos assim!
Percebeu-se desde o início que este jogo com o Moreirense ia complicar-se. A equipa do Benfica entrou como teria entrado há algumas semanas, ou a alguns meses. Depois das indicações deixadas no último jogo, com o Paços, que apontavam para um futebol noutra direcção, e com outro rumo, a equipa voltou para trás. Na primeira metade da primeira parte não jogou nada. Absolutamente nada. Com um único remate, o de Rafa, à barra, ia o jogo já com 20 minutos. Nesse período o Moreirense, só a defender, fez quatro!
O futebol do Benfica resumiu-se a cruzamentos sem nexo. Sem qualquer critério e bombeados para a área contrária, com dois jogadores do Benfica asfixiados por oito ou nove adversários, sempre de frente para a bola. Nunca chegou à linha de fundo, nunca rematou de fora da área, nunca conseguiu uma transição rápida. A bola nunca chegou aos pontas de lança - Seferovic e Darwin - e por isso nunca puderam fazer um remate, que fosse. À excepção de uma espécie de remate de cabeça de Seferovic, já perto do final da primeira parte.
Mesmo assim o Benfica acabou a primeira parte com quatro remates. Todos de golo. Todos que apenas por centímetros não acertaram na baliza, com o guarda-redes - que em todo o jogo fez apenas três defesas - batido.
Pode até parecer que a segunda parte foi diferente. Mas não foi muito diferente. E não foi diferente a qualidade global da equipa.
Já não houve tanto daqueles cruzamentos disparatados, em que Gilberto foi rei. Por uma ou outra vez a bola chegou à linha de fundo. A equipa rematou mais, mesmo que apenas quatro remates tenham sido enquadrados com a baliza. E criou mais seis ou sete ocasiões de golo. Mas veio ao de cima o que a equipa não tem.
O Moreirense passou o jogo todo com 11 jogadores dentro da área. E entretido nas mais diversas práticas de anti-jogo, sempre com a complacência do árbitro - Rui Costa. Do Porto, como não pode deixar de ser com este Benfica. Ainda assim conseguiu arranjar tempo e forma de trocar a bola, e sair a jogar. E cada vez que passava do meio campo - o que acontecia para aí de 15 em 15 minutos - a defesa do Benfica deixava-nos à beira de um ataque cardíaco. Era uma aflição. Numa dessas aflições, um quarto de hora depois do recomeço, Gilberto marcou na própria baliza, em boa verdade a meias com Otamendi (a ilegalidade do lance não altera em nada a aflição).
Ora isto só tem a ver com o que a equipa não teve hoje, nem tem há muito, sem o que se não ganham campeonatos. A equipa não pressiona o adversário. Às vezes imita essa pressão, mas não passa de uma imitação. Nunca consegue abafar o adversário. Não tem intensidade para isso. Não tem força mental para fazer isso. Não se sabe posicionar de forma a manietar o adversário, a impedir-lhe que troque a bola.e que surja com ela dominada em frente aos defesas.
Depois, vem a arbitragem. A de hoje, como a de praticamente sempre. E isso tem a ver com o estado a que chegou o Benfica. Acossado por todos os lados, perdeu a respeitabilidade. Nunca foi tão fácil faltar ao respeito ao Benfica!
Hoje a arbitragem voltou a ser parte activa do resultado. O golo do Morerirense - o auto-golo do desastrado Gilberto - tinha ser invalidado. Desde logo pelo árbitro assistente e, em última análise, pelo VAR. Há dois jogadores do Moreirense em claríssimo fora de jogo. Um deles disputou a bola com Otamendi, que despois a chuta contra Gilberto, antes de se encaminhar para a baliza. Há um lance, pelo menos esse, sobre o Grimaldo, em cima do intervalo, que teria de levar à exibição do cartão vermelho ao jogador do Moreirense. Permitiu todo o anti-jogo que os jogadores do Moreirense quiseram fazer, simulando lesões (depois de rebolarem e serem assistidos até piscavam o olho), assinalando faltas cada vez que se mandavam para o chão. Uma dessas vezes coube a Steven Vitória, na sua grande área, com a bola a seguir para Gonçalo Ramos, que a introduziu na baliza. Rui Costa - o árbitro - apitou antes dela entrar, quando as regras mandam seguir o lance para, se acabar em golo, ser avaliado pelo VAR (sabemos que, da forma que as coisas estão, não daria em nada de diferente). E, no fim, com 10 substituições - em que as cinco dos jogadores de Sá Pinto tiveram todas prolongadas festas de despedida - e com outras tantas, ou mais, interrupções para o festival de simulações do Moreirense, compensou com 6 minutos.
Hoje, três dias depois, a entrevista do nosso Rui Costa morreu. Nada é possível construir em cima das ruínas que hoje sobram do Benfica. Sem jogadores, sem estrutura técnica e sem liderança não há projecto. Hoje, no Benfica, só há emergência. Também a conferência de imprensa de Nelson Veríssimo ajudou a confirmar isso mesmo. Na parte que lhe toca, que é pouca evidentemente.