Falsa revolução
Hoje a Luz encheu-se para assistir a dois jogos. Fala-se, em futebolês, de um jogo com duas partes distintas, mas o que se viu foi dois jogos. No primeiro, numa grande exibição do Benfica, que teve tudo o que lhe vem há muito faltando, os perto de 60 mil nas bancadas vibraram com o espectáculo a que assistiam, e com os 5-0 no resultado. No segundo, grande parte deles regressou aos assobios. Pela exibição, e pelo 1-1 no resultado.
Quem, sentado na seu lugar, e sem saber de mais nada do que rodeia o jogo - como tantas vezes me acontece - ao ouvir anunciar a constituição da equipa julgaria estar perante uma revolução. Admitiria que Shmidt revolucionara a equipa. Relativamente ao último jogo, na quinta-feira passada, mudou tudo. No quarteto defensivo apenas manteve Otamendi. No meio campo, apenas João Neves. E, no ataque, apenas Rafa.
E na verdade, mesmo que pouco inspirado, e inspirador, no primeiro quarto de hora, o jogo confirmaria que se estava perante uma revolução do futebol do Benfica. João Mário assumiu o papel que o futebol lhe destinou, no meio, ao lado de João Neves, entregando a Tiago Gouveia o papel que, equivocadamente, Schmidt lhe tem atribuído. Neres ficou com o de Di Maria, e Tengstedt com o de ... sabe-se lá quem, tantas têm sido as alterações nessa posição 9.
O Benfica pressionava alto, asfixiava o adversário, jogava com velocidade, chegava à linha de fundo ... Jogava e marcava, com alto índice de concretização. Cinco golos - dois de Neres, um de Otamendi, Tiago Gouveia e Rafa. Ainda não se tinha visto nada disto nesta época, e já só se pensava que, a continuar assim, o resultado acabaria em qualquer coisa muito parecida com aquele 10-0 ao Nacional, de há cinco anos, acabados de fazer.
Conhecendo as circunstâncias, com Kokçu e Florentino impedidos de jogar por suspensão disciplinar, António Silva de luto por morte de um familiar, Alvaro Carreras, substituído pelo Morato no último jogo, com o Toulouse, ainda incapaz de convencer, e Di Maria e Aursnes sobrecarregados de jogos, começava a duvidar-se dos ideais revolucionários de Schmidt. Afinal o acto revolucionário do treinador não passaria de simples gestão das circunstâncias, e a revolução do futebol do Benfica não passava de uma "revolta" dos jogadores menos utilizados, conscientes que estavam obrigados a "mostrar serviço".
A segunda parte - o segundo jogo - confirmou isso mesmo, que afinal não havia revolução nenhuma. Começou com o golo do Vizela, numa distracção de Trubin que, chutando a bola contra as costas de um adversário, a fez ressaltar para o goleador da equipa - Essende - a rematar (primeiro remate da equipa) para uma primeira defesa e marcar na recarga. Foi o primeiro sinal de que a desconcentração se voltava a instalar na equipa.
Trubin ainda se redimiu, ao defender, a meio da segunda parte, um penálti cometido pela desconcentração - e aselhice - de Morato. Mas a equipa foi regressando ao passado. Os menos utilizados foram quebrando fisicamente; os mais utilizados foram regressando à equipa. Di Maria entrou logo ao intervalo, ficando Rafa nos balneários. Aursnes vinte minutos depois, para sair João Neves. E Marcos Leonardo dez minutos mais tarde, para jogar o último quarto de hora e ... marcar. O sexto, obra de Neres - o melhor em campo -, já perto do fim, mas ainda com pernas para correr o campo todo com a bola, passar por todos os adversários e oferecer, com alguma sorte no último ressalto, o golo ao compatriota. Os restantes, Alvaro Carreras e Rollheiser, como habitual, já só depois disto tudo.
No fim, o 6-1 que fica como o melhor resultado da época, acaba aquém do prometido naquela grande primeira parte. Da revolução, sobra apenas "a revolta" de Neres, a deixar dito que conta. E que não faz de conta. Como Rafa conta: percebe-se que, com 5-.0, tenha sido poupado. Como se percebe a falta que faz!