Há 10 anos
O futebolês não se fica apenas pelo português e afins. Também, como não poderia deixar de ser nos tempos que correm, se aventura pelos anglicismos. Não tanto como o seu parente economês – verdadeiramente imbatível – mas não deixa os seus créditos por mãos alheias!
O que são então os mind games?
Para os mais familiarizados com a língua de Shakespeare são isso mesmo: os jogos mentais, as jogadas psicológicas. Para os outros são aquelas tiradas provocatórias, atiradas com a precisão de um míssil, com o objectivo de destabilizar o adversário.
Temos uma Universidade em Portugal – fundada por José Maria Pedroto no Porto – e um catedrático apontado como o maior especialista mundial – José Mourinho, of course – mas não temos muita gente especialmente dotada. Não faz mind games quem quer. Não é para todos!
Alguns bem se esforçam mas, o melhor que conseguem são umas tiradas infelizes. Outros, no entanto, fazem mind games mesmo sem querer: qualquer palavra é um míssil de longo alcance.
É à medida que a competição aquece que os mind games começam a ganhar vida.
Com a primeira competição da época – a supertaça, disputada no passado sábado, ganha (e bem) pelo FCP, e que, também numa espécie de mind game, alguns tentam misturar na contabilidade dos títulos, somando alhos (campeonatos) com bugalhos (supertaças), não fosse o Porto a capital dos mind games – não se viu grande coisa.
Ou melhor, viu-se a confirmação de que não faz game minds quem quer. Apenas quem pode! E viu-se que Jorge Jesus não pode. Se aquela do “é muito difícil alguma equipa ganhar ao actual Benfica” foi o seu mind game, foi muito fraquinho. Pior, é daquelas em que o tiro sai facilmente pela culatra.
“Um treinador pode saber muito de futebol, mas se souber só de futebol pouco sabe de futebol” – este é um princípio enunciado pelo Prof. Manuel Sérgio, o nosso académico e filósofo do futebol. Este é o grande drama de Jesus: esquecer-se que o futebol não se limita à recepção, ao passe, à desmarcação, à ocupação de espaços… Há ainda muito mais, há alma, há determinação, há espírito de conquista. Há a atitude … Como se viu naquele jogo da supertaça!
Quem tem em mãos a mais cara equipa do futebol nacional, quem, mesmo assim, continua a pedir mais e mais jogadores, e quem tem que assumir responsabilidades adequadas ao esforço que a SAD está a desenvolver para devolver ao Benfica o prestígio do passado, não pode estabelecer prioridades que subvertam esse objectivo. Não pode dizer que a supertaça não é prioridade, que a prioridade é o campeonato. Não! Para o Benfica e para os benfiquistas ganhar ao FCP é sempre prioritário. Tal e qual como do outro lado: para o FCP é sempre prioritário ganhar ao Benfica, e essa é uma prioridade que toda a gente percebe!
Ganhar esta supertaça era absolutamente prioritário para o Benfica. Jorge Jesus tinha de perceber isto, tinha de mostrar que o percebera e de mostrar inequívoca competência para o fazer. Não tanto pelo título em si, mas por ser uma prova onde o domínio do adversário é avassalador e, fundamentalmente, para deixar clara uma marca de superioridade, numa altura em que o adversário passava por grandes necessidades de afirmação: treinador novo, pré-época instável, desequilíbrios defensivos, uma certa orfandade de liderança em campo …
Jorge Jesus falhou e assim perdeu o Benfica a oportunidade de romper com o status quo. E tudo ficou como dantes: um Porto à Porto, um Benfica … à Benfica das últimas décadas (subalterno, tolhido, sem chama nem alma, que corre menos, que luta menos, que acredita menos, que provoca menos e que é menos esperto que o Porto) e até um árbitro à árbitro (com dois penáltis por assinalar a favor do Benfica e, depois, uma compensação deplorável no aspecto disciplinar).
O campeonato começa já este fim-de-semana. A Jesus coloca-se, agora sim, um grande desafio: o difícil não é chegar ao topo, é manter-se lá! Soube lidar com as circunstâncias que lhe moldavam o lado pessoal: revisão do contrato numa mistura de rentabilização de méritos próprios com outros mind games. Falta ver se saberá lidar com as que lhe moldam a aptidão para o sucesso.
É simples: este é um campeonato decisivo, aquele que poderá inverter um ciclo. O bicampeonato é fundamental para o Benfica – transformará o título da época passada no início de um novo ciclo. Sem confirmação nesta época o último título não passará de um mero acidente no percurso da hegemonia portista. É precisamente por isso que, ao invés, é fundamental para o Porto não perder este campeonato para o Benfica. O FCP sabe bem que é muito diferente perder dois ou três títulos para o Sporting e para o Boavista ou perdê-los para o Benfica.
É tudo isto que o treinador do Benfica tem que perceber rapidamente. E deixar os benfiquistas perceberem que ele já percebeu. Com ou sem mind games! E, de preferência, sem hipotecar o sucesso a invenções e teimosias estéreis. Como a do Roberto que, como toda a gente percebe, está a condicionar toda a equipa.