Há 10 anos
Acredito que se forem procurar na literatura já disponível sobre o futebolês, ou em qualquer tentativa de dicionário desta linguagem, não encontrarão esta expressão: fazer posse. Já sei que estão a pensar googlar. Tirem o cavalinho da chuva: só encontrarão fazer pose!
Não é a mesma coisa, garanto-vos!
Corro pois o risco de ser acusado de andar para aí a inventar palavras – que não palavrões – e expressões para o futebolês só para alimentar esta rubrica. Garanto que não invento nada! Esta, parece-me, é uma expressão nova. Ouvi-a recentemente da boca de um dos novos agentes do fomento e desenvolvimento desta variante de comunicação – um dos muitos treinadores desempregados que viram comentadores, e donde surgem verdadeiras revelações na arte do futebolês.
Nos primeiros números desta rubrica, onde a bola era rainha, revelava-se o que chamaria de uma certa dimensão erótica da bola. Era o beijo, e em particular a forma como ela, beijando-as, se enrola nas redes. Ou a bola (parada), a mais apetecível beldade, objecto de abraços, apalpões e ciúmes. Ou mesmo a segunda bola!
Regressamos a essa dimensão erótica da bola a propósito desta expressão de hoje. Porque tudo começa no próprio acto de possuir a bola. Toda aquela gente, todos e cada um daqueles 22 jovens que por ali andam não sonham com outra coisa que não seja possuí-la. Lutam doidamente pela sua posse, como qualquer macho feroz pela sua fêmea. O tempo do acto de possuir é rigorosamente medido e depois apresentado em estatísticas sob a forma de percentagem: umas vezes bem repartido pelos dois conjuntos, outras com desequilíbrios verdadeiramente obscenos. Veja-se o caso do Barcelona: aquela rapaziada possui a bola com evidente exagero. É sempre bem acima dos 60%, eles possuem tudo e não deixam nada!
Deixemos por agora os catalães e a sua obsessão por possuir a bola e fixemo-nos na dinâmica própria desta linguagem.
Possuir a bola, também em tempos referido como ter a bola em seu poder – notoriamente menos romântica – rapidamente evolui para posse de bola. Depois foi só deixar cair a bola para se fixar na posse.
E surgem a construção em posse, a progressão em posse ou, ainda, a posse e circulação. Até ao novo fazer posse. Isto é o que deveria chamar uma verdadeira língua viva!
Fazer posse é então um neologismo do futebolês utilizado para referir uma circunstância de jogo que passa por possuir a bola por bons períodos de tempo. Por guardá-la para si, trocando-a entre os colegas quase a roçar o despudor. Ou, fugindo a esta carga mais perversa, fazendo-a circular entre os jogadores.
Evidentemente que, como em tudo na vida, não faz posse quem quer. Faz posse quem pode! Quem dispõe de jogadores com capacidade técnica, quem trabalha a cultura de posse e quem respira saúde física e mental.
Se estas condições se não conjugarem ninguém segura a bola. Se falta a condição mental então que a bola queima! Sem condições psicológicas os jogadores não estão seguros de tratar bem a bola - problemas de adolescência, diria - e querem livrar-se dela o mais rapidamente possível. De qualquer maneira porque ela até lhes queima os pés!
Desconfio que a bola também tenha as suas preferências. Enquanto queima os pés de uns aconchega-se docilmente nos de outros. Enquanto foge que nem o diabo da cruz de gente como Gatuso, Mascherano ou Bruno Alves, corre alegremente para os pés de Messi, Nasri, ou Cristiano Ronaldo. Enquanto se passeia, airosa e obediente, entre Xavi, Iniesta e Messi, foge que nem uma barata tonta de Maniche, Saleiro e Djalo!
Peço desculpa pelo exemplo: as coisas não estão para exemplos destes. Como dizia um amigo e leitor: corre-se um risco de atentado ao pudor!