Há 10 anos
A blogosfera, bem como os media em geral, fez eco das declarações de Jorge Sampaio numa conferência organizada no Porto pela Associação Portuguesa de Gestão e Engenharia Industrial (APGEI). “Portugal está em apuros” – proclamou Jorge Sampaio. Toda a gente pegou nesta expressão, colou-lhe a célebre “há vida para além do défice” e apontou-lhe o dedo acusador!
“Portugal está em apuros” porque, como hoje vemos claramente, “há vida para além do défice” mas não presta. “Há vida para além do défice” mas é uma vida que nos deixa “em apuros”!
Outras das revelações de Sampaio, no mesmo fórum, que fez carreira mediática foi a ideia que a solução política deve passar pelo entendimento entre as diferentes forças políticas e não por eleições. Se nos “apuros” ninguém podia esquecer o “além do défice”, aqui ninguém pode, e poucos querem, esquecer que foi ele próprio a recusar esse caminho quando na presidência se cruzou com essa oportunidade.
Parece-me oportuno reflectir sobre isto. Sampaio fez dois mandatos presidenciais tranquilos e saiu com altíssimos níveis de popularidade. Que não são alheios à afectividade que introduziu nas suas magistraturas e à emoção que emprestava às suas intervenções públicas, frequentemente acompanhadas de uma “lágrima no canto do olho”. Nem, evidentemente, aos tempos áureos daquela “vida para além do défice”, com os épicos anos de 1998 e 2004!
Quando derrubou Santana Lopes e dissolveu o parlamento Sampaio teve inequivocamente o apoio da imensa maioria de todos nós. Quando, poucos meses antes, com aquela famosa frase sobre o défice se atirou à “obsessão” de Manuela Ferreira Leite pelo combate ao défice, também foi de encontro ao que a maioria da população então pensava. Era fácil porque, evidentemente, ninguém quer fazer sacrifícios. Mas foi assim!
Mas isso hoje já não conta para nada. O estado a que o país chegou, a total degradação das instituições, a desagregação social e a desesperança que tomou conta de todos nós não nos permitem hoje outra atitude que não seja a de apontar o dedo. Responsabilizar todos os que tenham passado pelo poder, mesmo pelos mais altos cargos da nação. Lembrar-lhes que são co-responsáveis. Que não damos qualquer crédito às ideias que emitam partir das suas poltronas senatoriais. E de lhes demonstrar que lhes negamos esse estatuto senatorial!
E, porque assim é, não tem importância nenhuma que Jorge Sampaio, por exemplo, tenha também dito que “o que está em causa não é só um plano de austeridade para sanear as finanças públicas, como também não é só um plano de crescimento a médio prazo, para melhorar o desempenho da economia”, que Portugal necessita “de um plano para reduzir as desigualdades sociais e a pobreza”.