Há 10 anos
O corte dos subsídios de férias e de Natal dos funcionários públicos veio desencadear a tempestade que acabou de vez com este Verão que, nada incomodado com o que de mal se vive neste país, ia teimando em resistir e ficar por cá, bem ao contrário da vontade da maioria de todos nós.
Uma tempestade maior que a da noite passada: foi o Presidente, foi a Associação Sindical dos Juízes, foram até ministros e secretários de Estado, que lá tiveram que deitar fora os seus subsídios de alojamento. Até o ministro da defesa, que não só renega ao subsídio como recusa utilizar a residência oficial, no Forte de S. Julião da Barra, outrora habitado por Portas e onde, há muitos anos, alguém caiu de uma cadeira. Chegou mesmo às subvenções vitalícias da infindável lista de antigos titulares de cargos públicos que, coitados, se vêm agora na eminência de perder o seu rendimento mínimo de inserção. Que há-de ser da vida deles, agora que se vêm na contingência de ter de viver com os míseros ordenados dos múltiplos lugares nas administrações e demais órgãos sociais das empresas do regime, que a sua desinteressada e missionária passagem pelo poder lhes havia garantido?
Desconfio bem que haja já muita gente arrependida de ter tomado esta medida!
A verdade é que – talvez por não acreditarem muito nas previsões meteorológicas e admitirem que o sol continuaria a brilhar – muitos dos ideólogos desta ofensiva liberal defendiam a medida com unhas e dentes. E apostavam na sua institucionalização definitiva, alargando-a, evidentemente, ao sector privado porque, dizem (ou diziam) que não faz sentido nenhum trabalhar onze meses e ganhar por catorze. Coisa que só em Portugal, garantiam! No Expresso deste último sábado lá vinha o inultrapassável Mário Crespo a dizer que tinha tentado explicar a um casal amigo americano que, em Portugal, havia um mês em que não se trabalhava e se ganhava a dobrar. A aberração é tal que os seus amigos, não conseguindo compreendê-la, apenas riram perdidamente. Enfim, problemas de quem só tem amigos na América…
Como a troika também se refere vagamente a esta idiossincrasia portuguesa, a ideia de acabar de vez com os subsídios de Natal e de férias está fazer caminho. Mesmo que não se corte no rendimento anual há que acabar já com esta aberração que nos cobre de vergonha por esse mundo fora: repercutem-se os catorze meses de vencimento nos doze do calendário, e aí estamos de novo de cara lavada e cabeça bem erguida!
Parece-me que, com esta febre toda que por aí vai, com a ânsia incontrolável de carregar cada vez mais o pé no pescoço de tudo o que tenha a ver com o factor trabalho, há gente que perde por completo a noção das coisas.
Vamos lá a ver. A economia de consumo fez do Natal a sua estação alta. Transformou esse período no maior pique de consumo do ano, ao ponto de muitos sectores da sociedade, crentes e não crentes (não é aí que fica a fronteira), verberarem - sem contudo lhe conseguirem resistir – e condenarem a febre consumista que há muito tomou conta do Natal. Desvirtuando-o, diz-se amiúde!
Não preciso de dizer muito mais. Já se percebeu a origem do subsídio de Natal. E a sua utilidade!
As férias – conquista, do ponto de vista histórico, bem recente – tornaram-se no segundo ponto alto da curva de consumo. Enquanto as pessoas trabalham não estão a consumir, tem que se lhes dar tempo para isso. E dinheiro, evidentemente! Pronto, também já se percebeu…
Esta gente, que agora quer atirar sobre tudo o que mexe, deveria perceber que o sistema precisa destes dois subsídios. Que, se não precisasse, não os tinha criado. E que os criou para que funcionassem como um plano de poupança, como um mealheiro onde se guarda o dinheiro para gastar nos bens não essenciais que o mercado obriga a consumir. Distribuir o rendimento dos catorze meses pelos doze é acabar com esse mealheiro e promover um ligeiro acréscimo de consumo corrente de bens essenciais e matar os consumos de Natal e das férias. E com eles de largos sectores da economia!
Estão a passar-se coisas que tenho dificuldade em perceber. Defeito meu certamente!