Há 10 anos
Tudo tem a sua metade. Tudo se pode dividir em dois. O golo é que não!
Não há metade do golo, não se pode dividir um golo ao meio. Quanto muito há golos a meias, mas são golos, não são meios golos!
Lembram-se daquele golo do Petit ao Vítor Baía - acima recordado - aqui há uns anos na Luz? Pois, nem sequer esse foi meio golo. Simplesmente não foi golo, Olegário Benquerença não quis que fosse… Como há outros que são sem que o tenham sido. Meio golo é que não!
Mas lá tinha de vir o futebolês negar estas evidências, e garantir que há meio golo sim senhor. E mais que um, há pelo menos três. Há meio golo - ou pode haver – num passe. Ou num cruzamento. Na assistência. E há ainda meio golo da vitória!
Um passe que contorna todos os obstáculos que o adversário que coloca, e deixa a bola nos pés do avançado na cara do golo, é meio golo. O passe fez o mais difícil, deixando o mais fácil para o marcador, que se limita a empurrar para o golo. A fazer a outra metade do golo.
O que, no entanto, nem sempre acontece. E lá se fica o meio golo da assistência a não valer de nada, exactamente como o tal golo do Petit. Ainda há bem pouco tempo o Cardozo fez uma dessas: começou a festejar o meio golo da assistência e, quando deu por ela tinha deitado fora a sua metade. Ainda agora andam por aí a correr umas imagens semelhantes de um tal Deivid, um rapaz que pass(e)ou por Alvalade há uns anitos sem grande honra nem glória, como vem sendo habitual com tantos outros…
O cruzamento que é meio golo é aquele que vai direitinho e tenso – convém sempre que seja tenso – para um espaço, aéreo ou terrestre - só o marítimo não vale – onde apenas possa aparecer o avançado a finalizar, com mais ou menos espectáculo.
E finalmente há a vitória por meio golo. O que importa é ganhar, nem que seja por meio a zero!
Era, por exemplo, o caso do Benfica na passada segunda-feira em Guimarães. Depois da derrota na Rússia, com o Zenit para a Champions no início de um ciclo decisivo da época – apenas a segunda da época, depois do amargo afastamento da Taça de Portugal, pelo Marítimo – era fundamental ganhar em Guimarães. Nem que fosse por meio golo. Porque era a segunda derrota consecutiva, o que destabiliza quem quer que seja. Porque estava em causa a invencibilidade no campeonato, e a possibilidade de igualar o feito do Porto na época passada e o do próprio Benfica de Hagan, em 1973 (conta no seu historial com outro campeonato sem derrotas, mas perdido em igualdade pontual para o Porto, por circunstâncias de desvantagem na diferença entre golos marcados e sofridos). Porque perder a invencibilidade pode comparar-se à perda da virgindade: sabe-se como acontece, mas não se sabe o que acontece depois. Porque falhar logo no início de um ciclo difícil e decisivo cria muito mais pressão para enfrentar o que dele fica a faltar. E, finalmente, porque voltou a colocar o Porto na condição de depender apenas dos seus resultados, acrescentando-lhe crença e motivação para a deslocação à Luz que aí vem. O que, não obstante a pesada e humilhante derrota desta semana com o City – que a comunidade portista resolveu desvalorizar, chamando mentiroso ao resultado e não sei o quê ao árbitro, depois de um banho de bola dos citizens, com quatro golos, duas bolas nos ferros e mais uma mão cheia de outras oportunidades - pela história recente destas coisas, não é muito confortável.
Por tudo isto aquele jogo não podia ser perdido. Há jogos que não se podem perder, que têm de ser ganhos nem que seja pelo tal meio golo. Como jogo inaugural da época passada, o daquela supertaça; que embalou um Porto titubeante para uma época triunfante e empurrou o Benfica campeão, mas também algo arrogante e descuidado, para um arranque lastimável de que nunca viria a recuperar. Jorge Jesus já tinha que ter percebido isso. E tinha de montar a equipa e preparar mentalmente os jogadores para ganhar aquele jogo. Nem que fosse por meio golo, nem que houvesse que comer a relva.
Hoje, em Coimbra, há mais. Mas já não pode ser do mesmo!