Há 10 anos
É já consensual, mesmo entre os (poucos) defensores do actual governo, incluindo os parlamentares que acabaram de o aprovar, que o Orçamento para o próximo ano é inexequível. Todos os pressupostos macroeconómicos em que assenta ou já estão ultrapassados ou não passam de ilusões. A taxa de desemprego, por exemplo, já em Outubro chegara aos 16,3%!
Ainda não sabemos o que será o défice deste ano. Sabemos apenas que o governo falhou a meta dos 4,5% que ainda em Agosto garantia, como falhou os 5% que troika viria depois a aceitar. Para que o governo procura desesperadamente, entre concessão da ANA e outras coisas extraordinárias, expedientes contabilísticos que lhe permitam as marteladas que limitem a dimensão escriturada do défice a essa meta em segunda escolha. Mas sabemos que o défice real estará muito mais próximo dos 8 que dos 6,5%!
Mesmo que o orçamento para 2013 fosse exequível, isto é, que mesmo que os pressupostos em que assenta tivessem algum contacto com a realidade, e que as medidas que contempla produzam os resultados supostos, chegamos a 2014 com a necessidade de reduzir o défice para 2,5% - bem acima, mesmo assim, dos 0,5% impostos pelo Tratado Orçamental que o governo se apressou a ratificar – sem que ninguém consiga vislumbrar como. Sabe-se que, para isso, é necessário cortar da despesa os tais 4 mil milhões de euros porque, de receita de impostos, já não há mais ilusões. Sem a mínima ideia de por onde lhe pegar, o primeiro-ministro sacou da refundação do Estado. Cedo, entre o que disse e o que desdisse, entre o que disse e outros desdisseram, entre o que disse sem saber o que estava a dizer e o que veio explicar, dias depois como é habitual, que queria dizer, se percebeu que a ideia é cortar nos serviços que o Estado deve aos cidadãos. No que lhe deve porque os cidadãos lhe pagam em impostos e no que lhe deve do que os cidadãos lhe entregaram paras as suas pensões de reforma.
Cedo se percebeu que a ideia do governo não tem nada a ver com qualquer tipo de reforma estrutural do Estado. Apenas com cortes, sem qualquer percepção dos seus efeitos. Sem perceber que se destroem progressos sociais que demoraram muitas décadas a construir e sem preocupação de qualquer espécie com o retrocesso de largas dezenas de anos, com o regresso a patamares de desenvolvimento que já não cabem na memória de grandes faixas da população. Há muito que se sabe que nada disto preocupa o Presidente, impávido e ridiculamente sereno!
É neste cenário de desesperança, de percepção de metas inalcançáveis e de objectivos imperceptíveis, e da constatação de que tudo se está a destruir por coisa nenhuma, que surge uma carta aberta ao primeiro-ministro, assinada por 70 personalidades, mais ou menos óbvias - e já disponível a jeito de abaixo-assinado para o grande público - pedindo-lhe ou recomendando-lhe a alteração do caminho. Ou a demissão.
Quem ache que a democracia se limita a eleições de tantos em tantos anos e que, nesse intervalo, quem as ganhou governa como bem entenda, mesmo que mais ninguém consiga entender o que eles entendem, acha que pedir a inversão do entendimento do governo ou a sua resignação não é atitude democraticamente aceitável.
Houve gente que achou assim, e que não se calou. Mas não deixa de ser curioso reparar que é gente que apoia o governo e convive bem com tudo o que está a acontecer. Quer dizer, é gente que acha que democracia é isso … mas apenas quando sãos os seus a ocupar o poder!