Há 10 anos
Em plena festança, no meio do foguetório contratado para abrilhantar as festividades que se presumiam durar até Maio, com um segundo fôlego já preparado para o próximo ano, começaram a cair alguns pingos grossos para arrefecer os ânimos. Nada a que não estejamos habituados, tanta tem sido a chuva, tanta tem sido a àgua...
Quando ontem ouvimos o ministro Pires de Lima retratar-se do seu milagre económico, reconhecendo que se excedera e que não há milagre nenhum, lembrá-mo-nos logo do soldado fiel e obediente. Afinal o chefe máximo tinha-se demarcado da expressão na sexta-feira passada, no debate quinzenal... Não nos lembramos - nem poderíamos - que o FMI tivesse reservado para hoje a divulgação do Relatório da X avaliação que viria despejar um enorme balde de água gelada na festa que por aí corre. Percebemos agora que Pires de Lima não é apenas um soldado obediente, é também um soldado informado!
Mais informado que o seu chefe de partido que ainda hoje continuava a deitar fogo de artifício com as exportações quando, com o mesmo relatório, o FMI as tinha deixado completamente enxarcadas de água bem fria. A verdade é que poderá nem ter sido por falta de informação, Paulo Portas é bem rapazinho para pensar que ninguém dará por isso. Sabemos que é bem capaz de estar convencido que consegue falar por cima da realidade, fazendo-se ouvir ao mesmo tempo que a abafa!
Uma coisa é certa. Por muitos nomes que agora venham a chamar ao FMI, por muito que agora digam que eles não percebem nada do país, que nunca aprendem e outras coisas semelhantes, é muito difícil que a festa não fique estragada. Porque eles podem não preceber nada de receitas - e acho mesmo que não acertam uma única - mas vêm o que todos vemos, e que esta gente, para continuar a festa, não queria que ninguém visse. Vêm, e dizem-no com todas as letras - como aqui se anda a dizer há não sei quanto tempo - que o grosso das exportações vem do petróleo, que nenhuma reforma foi feita, que tudo o que o governo conseguiu foi com impostos colossais e insuportáveis e que o equilíbrio das contas externas se deve excusivamente à quebra conjuntural do consumo interno.
Já todos tínhamos percebido que a Comissão Europeia não estava para aí virada, que estava mais interessada em participar também na festa, impeturbável. Também o BCE estava mais interessado em manobras de diversão, arranjando até uma terceira via de saída do programa. Chamou-lhe monitorização reforçada, e bem poderá ser a bissectriz entre o ar de festa estampado na cara da Comissão Europeia e o ar carregado do FMI, a reclamar mais cortes e mais liberalização nos salários, menos Tribunal Constituicional (que acaba de inviabilizar, como se esperava, o referendo à co-adopção) e mais, muito mais austeridade!