Há 10 anos
Tornou-se ensurdecedor o silêncio do Presidente da República a propósito da intolerável escalada da afronta ao Tribunal Constitucional que o governo desencadeou. Assistir ao que se está a passar, sem sequer um ponto de ordem do Presidente, diz bem do ponto sem retorno a que Cavaco chegou.
É ele o principal responsável por o governo ter ultrapassado todas as linhas. Porque justamente lhe permitiu que as fosse sucessivamente pisando. Porque, ao romper com o seu juramento de cumprir e fazer cumprir a Constituição, não só se demitiu das suas mais altas responsabilidades, como abriu as cancelas a um governo verdadeiramente insaciável quando se trata de atacar as condições de vida dos portugueses. Foi Cavaco quem, promulgando os sucessivos orçamentos sem requerer a sua fiscalização preventiva, criou este estado de guerra aberta entre dois órgãos de soberania.
Não é de agora que Cavaco é refém de si próprio, das suas ambiguidades e dos seus jogos de interesse. Há muito que teceu as malhas em que se enredou, e por isso este é apenas mais um entre os silêncios, as omissões e as demissões que o deveriam envergonhar, e que fazem dele o mais impopular, e o menos respeitado, presidente da História da democracia portuguesa.
Claro que, daqui a uns tempos, alguém se encarregará de fazer de mais um deplorável momento do seu mandato um marco de serenidade, bom senso e sentido de Estado. Já estamos habituados a isso, e não iremos ficar nada surpreendidos quando ouvirmos explicar que Cavaco agora não reage porque, se o fizesse, daria argumentos ao governo para abrir uma crise política que iria levar à sua demissão, numa altura em que o país nada ganharia com isso.
Mas então ninguém acrescentará que Cavaco, para além de refém de si próprio, há muito que é também refém deste governo autoritário e obcecado na missão de empobrecer e destruir o país!