Há 10 anos
Aproximam-se finalmente as eleições primárias do PS, uma inovação no panorama partidário nacional que, mesmo que menos entusiasmante do que à partida poderia parecer, não deixará de, mais tarde ou mais cedo, vir a alargar-se a outros partidos. De resto, razões de entusiasmo, à entrada daquilo a que se poderá chamar o período oficial de campanha, quando se multiplicam entrevistas aos dois candidatos e se vão iniciar os debates televisivos – onde, confesso, temo o pior – é coisa que não abunda por aí.
O que se está a passar no PS interessa, e muito, ao país, não fosse este um partido estruturante da democracia portuguesa, com uma contribuição decisiva para o que é hoje o país. Esteve no melhor, mas também no pior destes 40 anos de democracia, e só uma revolução, um verdadeiro furacão, o afastará do centro das decisões do país.
Passa por um período difícil, porque difícil foi também a situação em que Sócrates o deixou. Sócrates não deixou apenas o país atolado em dificuldades, deixou também o partido em estado comatoso, despido de identidade e arrebatado por teias de interesses, na maioria dos casos ilegítimos. Nessas circunstâncias, e nas do país, ao PS não estaria reservada uma simples cura de oposição, mas uma longa e dolorosa travessia do deserto, à procura do poder perdido mas especialmente da regeneração.
Era, teria de ser, esta a missão de quem sucedesse a Sócrates. Não era seguro que fosse Seguro o líder certo: faltava-lhe dimensão e estatuto moral para isso, até pelo caminho que escolheu para chegar ao poder: sempre escondido atrás dos arbustos, sem assumir convicções, e manipulando peça a peça um aparelho cujo funcionamento desde a juventude conhecia bem. E não foi!
Ao longo destes três anos Seguro foi apenas a confirmação de tudo isso, sem rompimentos de qualquer ordem, preferindo sempre o compromisso à frontalidade do confronto, arrastando sem resolver, sem chama, sem capacidade de liderança, sem carisma. Em suma – sem competências de mobilização. Com tudo isto, e com o pecado original da aprovação do Tratado Orçamental – o seu maior erro político, logo a abrir – a Seguro era impossível sequer fazer oposição, quanto mais regenerar o partido.
Pensou que, como fizera para ganhar o partido, para chegar ao poder lhe bastaria manter-se quieto. Que não teria que fazer nada, que o determinismo da alternância faria tudo. Por isso nunca deixará de ver no desafio de António Costa – que julgava atado à sua estratégia de compromisso – outra coisa que traição, mesmo que tenha percebido que todos percebemos que foi o seu desempenho que empurrou as ambições de António Costa para uma decisão que, perante o partido, mas também perante o país, não poderia mais adiar.
Foi certamente por isso que tratou de empurrar o calendário para a frente. Quatro meses depois já pouca gente se lembraria das reais circunstâncias que determinaram a disputa da liderança. Seriam mais quatro meses em que não faria oposição – agora com justificação – mas faria de vítima, no que é verdadeiramente especialista. E sempre lhe poderia dar tempo para – quem sabe? - tirar algum coelho da cartola, como porventura a separação entre política e negócios…
Não é novidade nenhuma que António Costa não se demarcou, antes pelo contrário, da chamada tralha socrática. Dificilmente, por isso e por outras razões, poderá regenerar o partido, mas será certamente ele a devolver-lhe o poder. Percebe-se por isso o entusiasmo das hostes socialistas, como se percebe, até pela reduzida adesão às inscrições nos cadernos eleitorais, que os portugueses não vêm razões para grandes entusiasmos. António Costa será capaz de promover a alternância, mas isso já não basta. Isso é deixar tudo na mesma, são apenas outros a fazer a mesma coisa, mesmo que às vezes por caminhos diferentes…