Heróis
"Heróis" - estava escrito na manga das camisolas pretas com que os jogadores do Benfica disputaram este jogo em Amesterdão, em que garantiram o apuramento para os quartos de final da Champions. Um equipamento todo preto, o secundário usado na época passada, que nunca me pareceu bonito se não hoje. Pena que o glorioso símbolo ao peito tenha perdido as cores, e ficado apenas a preto e branco.
E foi isso que foram os jogadores do Benfica - heróis. Como a pescada - antes de o ser já o eram! Foi tão feliz a ideia que até se perdoa que tenham deixado o símbolo a preto e branco.
Não foram pescados os jogadores do Benfica. Nem caçados, nunca se deixaram apanhar. Os heróis são assim, e o Benfica deixou de fora a equipa com o melhor desempenho na fase de apuramento, a máquina de fazer futebol e golos que antes tinha cilindrado todos os adversários que tinha encontrado. O Sporting que o conte, com os nove golos com que foi presenteado.
O Benfica ganhou o jogo, exactamente da mesma forma como tem perdido tantos. O Ajax dominou, com um domínio que chegou a ser asfixiante, na primeira parte. Mas foi o Benfica a ganhar o jogo, em que apenas conseguiu efectuar quatro remates, com um golo no único que atingiu a baliza do regressado Onana.
Ganhou o jogo, e a eliminatória que tinha conseguido deixar em aberto na Luz, com aquele empate a dois golos, defendendo. Sabendo defender durante todo o jogo, mas sabendo fazer mais alguma coisa na segunda parte. Porque, na primeira, só defendeu mesmo. Mais nada saiu bem.
Os jogadores do Ajax foram sempre mais rápidos, mais fortes e melhores - técnica e tacticamente. Os jogadores do Benfica não conseguiram ligar uma jogada, sempre que recebiam a bola já tinham um ou dois adversários em cima. Que chegavam sempre primeiro, que eram sempre mais fortes nos duelos, e por isso recuperavam imediatamente a bola, para depois fazer das faixas laterais um quebra cabeças para a equipa do Benfica.
Para esse desequilíbrio muito contou a pressão dos jogadores da equipa holandesa - a partir de hoje, depois de ouvir toda a gente do Ajax falar em Holland, não lhe chamo mais neerlandesa, nem Países Baixos -, mas também o inesperado desacerto de Rafa, a quem não deixaram tocar na bola, e o esperado desacerto de Taarabt, cuja inclusão na equipa, para este tipo de jogo, é muito difícil de compreender. Não é preciso conhecer muito de futebol para saber que Taarabt não sabe defender e, muito menos, segurar a bola e passá-la. No seu melhor, e com espaço, será capaz de a conduzir em progressão, mesmo que na maioria das vezes para nada.
Na primeira parte, Rafa e Taarabt simplesmente não existiram para o jogo. Só que de Rafa espera-se sempre alguma coisa, e muitas vezes muitas. Nelson Veríssimo terá pensado isso mesmo, e deixou-o ficar para a segunda parte, e até ao fim do jogo. Taarabt apenas lhe facilitou a dor de cabeça que tem sempre nas substituições. Trocou-o ao intervalo por Meité, e acertou.
Com o francês que veio do Turino a saber defender e segurar a bola, e com Rafa a acabar por aparecer - os jogadores do Ajax também já não conseguiram manter a pressão da primeira parte - a máquina de futebol montada na equipa holandesa começou a engasgar, e a avalanche sobre a área do Benfica passou a ser intermitente. É certo que o Ajax continuou por cima do jogo, com mais bola, mais ataques e mais remates. Mas nunca chegou ao domínio avassalador da primeira parte, e em especial do último quarto de hora.
O Benfica que defendia bem, mas perdia imediata e sucessivamente a bola, continuou a defender bem, mas já não perdia bola logo. Já a segurava e a trocava. Não dava para muito, mas sempre dava para conquistar umas faltas, uns livres e uns cantos. Dos três cantos conquistados na primeira parte - de resto consecutivos - já se tinha percebido que poderia ser por ali.
E foi. Uma falta bem conquistada pelo Gonçalo Ramos deu num livre lateral. Batido pelo Grimaldo - sempre nas bolas paradas - a preceito, e concluído de cabeça pelo Darwin, ganhando de cabeça ao defesa Timber e antecipando-se a Onana. Que não fez uma única defesa. O relógio marcava o minuto 77, e só não estava encontrado o herói do jogo porque todos eram, e foram, heróis.
Sentiu-se - sentiram-no os jogadores e sentimo-lo todos - que o jogo estava ganho, e que o lugar entre os oito melhores da Champions já não fugiria. Já só era preciso sofrer mais um bocadinho, e os heróis sabem fazê-lo. O resto era trazer para o jogo as lições que aprendem em todos os jogos do nosso campeonato, para ajudar a passar o tempo.
Que foi passando, sem grandes sobressaltos. Mesmo com 6 minutos de compensação, que passaram a 7, e acabaram em oito. Valeram bem, esses dois minutos acrescentados: no primeiro, Yaremchuk, que havia substituído Everton ainda antes do golo, isolou-se e bem poderia ter marcado o segundo. Teria bastado que, primeiro, tivesse sido mais expedito no remate e, depois, não o tendo sido, que tivesse conseguido dar a bola a Rafa, ali ao lado. O segundo deu a oportunidade a Vlachodimos para verdadeiramente brilhar no jogo, com uma grande defesa. Que não contou para as estatísticas por o lance ter sido anulado por fora de jogo. Cobrou o livre, e o árbitro apitou.
Para a festa. Dos heróis de Amesterdão e de todos nós. Em especial dos de nós que lá estavam, e tomaram conta do fantástico Johan Cruijff Arena, engalanado para receber este jogo memorável.