Lembranças
O futebol em Portugal cabe todo no jogo deste fim de tarde, na Luz. Qualidade abaixo de zero, largas dezenas de faltas, jogo parado na maior parte do tempo, e "habilidades" várias. De árbitros e jogadores.
Foi isto que se passou neste clássico, e é isto que se passa no futebol que por cá acontece.
Sabia-se que este jogo podia acabar na decisão do título, na garantia matemática do apuramento do campeão desta época. Bastava ao Porto empatar na Luz, e desde bem cedo se percebeu que era exactamente isso que procurava do jogo. Ao Benfica cabia fazer tudo para ganhar o jogo. Porque é essa a exigência de sempre, e porque isso era necessário para impedir que o Porto voltasse a fazer festa na Luz.
Os maus resultados nas últimas épocas contra o Porto, esta incluída, foram sempre vistos à luz da diferença de competitividade das duas equipas. O Benfica era sempre suplantado pela garra e pela agressividade do adversário, sempre com evidentes dificuldades de resposta na disputa dos lances, fosse pela pressão do adversário sobre o portador da bola, fosse nos duelos individuais. Ficou a ideia que, neste jogo, os jogadores do Benfica quiseram enfrentar essa dificuldade. Que entraram em campo convencidos que teriam de usar as mesmas armas do adversário.
E na verdade o Benfica hoje não tinha outros argumentos e, a gosto ou a contra-gosto, teria de ser por aí que iriam discutir o jogo. E isso fez lembrar a célebre frase de Bernard Shaw: Nunca lutes com um porco; ... ficas todo sujo, e ainda por cima o porco gosta. É certo que os jogadores do Benfica lutaram até à exaustão, foram duros, não viraram a cara à luta. Mas, no fim ... o porco gosta.
E o jogo foi isso, não muito mais que isso. Sempre que o Benfica conseguia impor outro ritmo ao jogo lá vinham os mestres a mudá-lo para o lamaçal. Mais uma queda, mais um rebolar na lama, mais uma manha. E lá voltava tudo ao mesmo. Como o porco gosta.
Na única vez que conseguiu fugir à luta com o porco, teve sucesso. Houve futebol, e golo. Um grande golo, até. Só que ... não vale. Não pode valer. E então arranjam-se dois centímetros para não valer. E no fim, ao quarto minuto dos seis de compensação, já esquecidos da missão que tinham levado para o jogo, deixaram que um adversário interceptasse uma bola na sua área e corresse com ela o campo todo sem ninguém pela frente até à baliza.
Se o jogo tinha sido mau, se a lata tinha tido apenas dois centímetros, e se o empate já lhes dava direito a voltar a fazer a festa em nossa casa, o pior nem era perder o jogo. Era perdê-lo aos 90+4 com um golo ... de Zaidu!
Depois de nos termos lembrado da frase do dramaturgo irlandês, acabamos a lembrarmo-nos de um tal Kelvin.