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"Um dos processos habituais de Pinto da Costa ao longo de mais 40 anos consistia em dividir ou, até, provocar hostilidade entre os dois rivais de Lisboa. A sua visão nos anos de brasa do começo do pontificado era a de “Lisboa a arder”.
Nesses tempos, a sagacidade bélica do ambicioso caudilho regional era muito elogiada e reconhecida como único método para ultrapassar o “centralismo” e conquistar o país e o mundo.
Contra João Rocha ao lado de Fernando Martins, condescendente com Sousa Cintra mas figadal com Gaspar Ramos, estranho a José Roquette e Dias da Cunha mas entranhado com Luís Filipe Vieira - o defunto presidente portista nunca suportou uma guerra simultânea com ambos os clubes.
A paradoxal “amizade” de circunstância com um dos “inimigos” funcionava como válvula de escape ao tremendo desgaste provocado pelos conflitos permanentes contra o poder da capital e pela progressiva conquista de influência a nível nacional.
É assim uma ironia das mais finas que tenha provocado no fim da vida uma união reactiva entre Benfica e Sporting, que ignoraram olimpicamente o seu óbito em observância de um sentimento generalizado das respetivas massas associativas e de adeptos.
Pinto da Costa não quereria ter Benfica e Sporting a chorar a sua morte, tal como não quis os seus adversários internos liderados “pelo Luís André” a carpir no velório.
E todos respeitaram a sua última vontade".
"Uma ode à hipocrisia. É aquilo a que tenho vindo a assistir desde sábado. Não só uma tentativa ridícula de beatificar uma personagem tenebrosa, como a falsa e hipócrita indignação pela falta de reacção do Benfica (e Sporting). A morte não é uma espécie de esponja mágica, que apaga tudo aquilo que uma pessoa foi em vida. Em primeiro lugar, convém recordar que Benfica (e Sporting) estão de relações institucionais cortadas com o FC Porto há anos, precisamente por causa dessa personagem. Alguém que construiu a sua presidência assente num clima de ódio por ele inventado e introduzido no futebol português".
"Acredito, honestamente, que nem os portistas, ou pelo menos alguns deles, percebam inteiramente o que representou Pinto da Costa para o Benfica. Só por isso alguém poderá estranhar o silêncio do clube da Luz para com a morte de um cidadão - que já nem sequer era o presidente do FC Porto.
Não é por ter ganhado muitas vezes. Sim pelos métodos com que o fez (todos os imagináveis), e, talvez ainda mais, pela atitude ostensivamente provocatória e cínica que sempre manifestou para com aqueles que, ele próprio, considerava seus inimigos".
"Rui Costa e Frederico Varandas terão promovido, não sei se concertadamente, a única homenagem possível a um crápula que, em vida, tudo fez para os humilhar e aos seus clubes e adeptos. Neste caso, com o silêncio ensurdecedor que homenageou os muitos portugueses que ainda têm alguma vergonha na puta da cara e, ao mesmo tempo, deixando "indignadas" uma quantidade de prostitutas assinalável".
"A lavagem de imagem que se estão a esforçar por fazer a Pinto da Costa é parecida com a que fizeram a José Maria Pedroto, quando faleceu. Mas, como escrevia alguém, a morte não apaga registos criminais, escutas comprometedoras, nem transforma gente má em santos".
"Na melhor tradição portuguesa, todos os filhos da puta depois de mortos são homens bons, quiçá até merecedores de santidade."