Metadados? E o Fisco, pá?
No plano noticioso, a questão dos metadados subiu ao topo da agenda mediática. No plano institucional, ao topo das preocupações políticas. Em ambos, tarde e a más horas. Em ambos carregada de meias-verdades, e mais ainda de ambiguidade.
"À Política o que é da Política, e à Justiça o que é da Justiça", já se sabe, é coisa para uso só quando dá jeito. Só quando "o que é da Justiça" oferece uma boa escapatória ao que é da Política... Quando não dá jeito já ninguém quer saber disso, e lá se volta ao que dá mais jeito. Se dá jeito à Política meter-se na Justiça, mete-se sem escrúpulos. E vice-versa.
A ideia de avançar para uma revisão constitucional para resolver o imbróglio é uma das manchas que salpicou a política, deixando-a menos recomendável para consumo. A conflitualidade entre a segurança colectiva e a liberdade e a privacidade individual é o eterno desafio das sociedades democráticas. A sociedade da informação, da comunicação, e da digitalização obriga a traçar linhas vermelhas nesse desafio. Passar essas linhas vermelhas com pretextos conjunturais é sempre abrir portas que nunca se sabe onde irão levar. É deixar mãos livres, que se hoje estão limpas e escrupulosas, amanhã podem ser sujas e sem escrúpulos.
Tratando-se de um tema central nas sociedades actuais, esta discussão, nos termos em que está a ser conduzida a propósito dos metadados, deixa-me duas enormes perplexidades: a primeira é como prezamos tanto a nossa privacidade ao telefone, mas não nos importamos nada de a expor, muito mais explicitamente, e na maioria das vezes sem o mínimo de pudor, em directo nas redes sociais; a segunda é tanta preocupação com os dados das operadores de telecomunicações, que dizem onde estamos e com quem falamos, e nenhuma preocupação com os da Autoridade Fiscal, que dizem - literalmente - tudo da nossa vida.
Nas comunicações, só falamos onde e com quem quisermos. E ainda podemos escolher o que dizer. Nas redes sociais só lá está quem quiser. E só expõe a vida toda quem o quiser, seja lá por que razão for. Ao Fisco é que somos obrigados a dizer tudo. E tudo lá fica lá guardado sem prazo à vista!
Mas isso já não preocupa nada. Nem a Justiça, nem a Política!