Não é futebol*
Apesar da minha conhecida paixão pelo futebol, nunca o trago aqui, a este espaço. E se alguma vez o trouxe, ou vier a trazer, nunca foi, nem será, por ele próprio, mas sempre por qualquer coisa para além dele.
Aconteceu aqui há umas semanas, quando falei da Catarina Lopes, a treinadora do Beneditense, para falar de igualdade de género, que não de futebol. Como voltaria a acontecer hoje, se aqui desse conta do “balde de água fria” que é a notícia que a mesma Catarina e uma sua colega de equipa, Maria Malta, se encontra castigada com 30 dias de suspensão por insultos racistas a uma jogadora adversária, em que falaria de decência e bom porte.
Ou como acontece mesmo hoje, quando falo de Casillas e da onda de solidariedade que à sua volta se estabeleceu, na sequência do acidente cardíaco de que foi vítima, felizmente, e ao que parece, sem consequências irreparáveis para o fundamental da sua vida pessoal.
Não. Não é de futebol que falo quando, de repente, no meio da loucura fanática que atingiu o mundo da bola, e dos obscenos painéis de comentadores que por essas televisões fora envenenam uma rivalidade que deveria ser saudável e urbana, as tribos do futebol se unem à volta do infortúnio de um homem, que por acaso é jogador de futebol para, esquecendo-se das acusações, dos penaltis, do ódio e da violência de que todos os dias se alimentam, lembrar os seus feitos, celebrar a sua glória e enaltecer a sua dimensão humana e desportiva.
Não é de futebol que se trata. Como não é também de futebol que tratam esses energúmenos de fato e gravata que, por um bom punhado de milhares de euros, colocam a sua imensa ignorância e os seus parcos recursos éticos ao serviço de guerras de audiências sem escrúpulos.
*A minha crónica de hoje na Cister FM