Nem esmolas nem IVA a zero são solução
As medidas anunciadas pelo governo para mitigar a inflação são o que são, e dificilmente poderiam ser outras. Por várias razões, que vão do "marketing político" à realidade do país.
Enquadram-se em três categorias, à partida as únicas possíveis - salários, apoios sociais e fiscalidade. As categorias são as certas. São estes os três pilares que sustentam a decência dos Estados e das sociedades. Salários e fiscalidade, como agentes de redistribuição do rendimento, e apoios sociais como agente de coesão. Nas medidas, na sua extensão, na sua interacção com a realidade do país, e na sua eficácia é que está o busílis.
Nestas medidas a fiscalidade não cumpre a sua função. Deixou de fora o rendimento, e ficou-se pela taxa zero de IVA nalguns produtos alimentares. Uma medida de duvidosa eficácia, seja pela regressividade (abrande todos de igual forma), seja pelo risco de ser rapidamente "engolida" pela dinâmica inflacionista, mesmo dando de barato que o compromisso estabelecido entre o sector da distribuição e o governo é para valer, e que o Estado tem condições para velar pelo seu cumprimento. Todos têm consciência disso. Mas todos também sabem, e o governo mais que ninguém, que é central em "marketing político".
Por isso, porque no actual momento o governo precisa de "marketing" para controlar os danos, como os portugueses de pão para a boca, é que António Costa e Medina não se importaram muito com o ridículo das contradições que caíram, ao anunciar uma medida que repetidamente tinham renegado, com a justificação, ainda por cima acertada, de que não resultaria.
A fiscalidade teria cumprido a sua função se tivesse incidido no IRS. Mas não teria, nem de perto nem de longe, o mesmo impacto político. Até porque, pelo eterno problema dos baixíssimos rendimentos e da pobreza, milhões de portugueses já não pagam IRS.
Nos apoios sociais as medidas ficam-se nos 30 euros mensais, com mais 15 por criança, em certos casos, para as famílias mais carenciadas. É alguma, mas muito pouca coisa para tanta necessidade.
Não é esse, ainda assim, o maior dos dramas. Esse é o de, entre as famílias mais carenciadas, estarem pessoas que trabalham. Milhões de pessoas que não retiram do seu trabalho um salário suficiente para lhe garantir sequer a subsistência.
Esse é o drama do país. O trabalho e o salário terá de ser a solução. Os apoios sociais terão de se destinar a quem tem o infortúnio de, querendo, não poder trabalhar. Não há sociedades sem pobres, o que não é aceitável que quem trabalha seja pobre. E isso, sendo agora agravado, não surgiu com a inflação. É estrutural na economia e na sociedade portuguesa, e não se resolve nem com esmolas nem com IVA a taxa zero!