Novidades*
Convidada: Clarisse Louro
De repente, dois homens ainda jovens e bem parecidos, de ar desempoeirado e sem gravata, irromperam por esta Europa fora. Contra todos os cânones da eurocracia de Bruxelas, foi vê-los em contra mão por Londres, Paris, Bruxelas, Berlim, Viena...
Não deixam ninguém indiferente, despertam ódios e paixões, mas acima de tudo surpresa e admiração. E inspiram medo, muito medo em muita gente. Mas também esperança, muita esperança em muita gente… É sempre assim quando alguém ousa dizer o contrário do que está estabelecido!
A novidade nem está tanto no que dizem. Desde logo porque eles próprios já o dizem há muito tempo, na Grécia e por onde têm passado. Como muitos outros, em muitos outros sítios. A novidade está na voz que agora lhe foi dada pelo povo grego, na legitimidade democrática que conquistaram.
A novidade não está em dizer que a austeridade falhou e que a estratégia está errada. Já há muito que isso é dito, e começa até a ser já consensual, mesmo que os que cegamente a defendem não o queiram admitir. A novidade está nos radicais, que não são uns, mas justamente os outros. A novidade está nas alternativas que afinal há, e se dizia não haver. Mas, acima de tudo, a novidade está em perceber que é possível um certo pensamento político chegar ao poder. Que há ideias e formas de acção política que já não cabem numa pequena caixinha com o rótulo de protesto. Que é possível saltar de um gueto estigmatizado para um projecto de poder. A novidade está no que possa ser uma onda que atravesse a Europa e arrase o velho, caduco e corrompido paradigma com que se tem feito política no sul da Europa. A novidade está na mensagem clara que é possível acabar com as velhas e esgotadas famílias políticas. Que é possível romper com os centrões dos interesses que se têm perpetuado no poder, prometendo sistematicamente na oposição o que sempre negam no governo. Acusando sempre o outro pelo passado que depois repetem.
É justamente isto que inspira medo a muita gente. Mal disfarçado aqui ao lado, em Espanha, e mais escondido atrás das mais patéticas afirmações, aqui entre nós.
Alexis Tsipras e Varoufakis não são apenas as duas novas estrelas da Europa, e muito menos figuras maiores do conto para crianças que Passos Coelho pretendeu prefaciar. Poderão ser uma lufada de ar fresco numa Europa esgotada e empenhada em despenhar-se no abismo para que corre em passo acelerado.
Não é certo, longe disso, que as coisas corram bem. É muita coisa a ter que correr bem. É necessário chegar a acordo com a Europa, sem troika. Que não seja um acordo a qualquer preço, que seja fiável e que não ponha em causa os compromissos eleitorais que lhes legitimam o poder. E sabe-se que não é fácil, que os campos estão hoje bem extremados, que há um enorme oceano a separar o radicalismo e a ortodoxia alemã das pretensões gregas. Mesmo que o surpreendente e recente apoio austríaco possa ser bom agoiro…
Mas é também necessário – e não menos difícil – que aquilo que depende apenas dos gregos corra bem. Que o combate às oligarquias, aos grupos de interesse, e à evasão fiscal, essas sim – e não os cortes cegos da receita alemã – as reformas estruturais que estão por fazer na Grécia, seja determinado e bem sucedido. E que deixe de fugir dinheiro dos bancos gregos… Se é que ainda por lá ficou algum!
* Publicado hoje no Diário de Leiria