O Estado da raspadinha
As dificuldades da vida empurram facilmente as pessoas para sonhos de dinheiro fácil, e sabe-se como muita gente é tentada a fazer da vida um sonho permanente, às avessas da realidade. É este o campo onde medram os jogos de fortuna e azar, especializados em técnicas de viciação para a criação de dependências, que fazem do jogo uma adição. Que não soma, só subtrai.
Há em Portugal um problema sério de dependência do jogo, que se agravou com as lotarias instantâneas, as conhecidas raspadinhas. Têm tudo para a compulsão - o imediatismo do prémio, e o próprio ritual da raspagem - e nada para a travar. E os sinais de alarme já dispararam, com estudos publicados, e alertas de diversas instituições, a chamarem a atenção para grande números de casos de desestruturação financeira e familiar, e de graves problemas de saúde mental entre as camadas mais vulneráveis da sociedade, designadamente as economicamente mais desfavorecidas e as mais idosas.
Seriam razões mais do que suficientes para preocupar o Estado, e levá-lo a tomar medidas de contenção desta chaga social. Mas não são. São, antes, razões que o Estado encontra para incentivar o seu desenvolvimento, alargando a oferta por aí encontrar fontes de financiamento que lhe escasseiam no seu Orçamento e, assim, adormecer também no sonho do dinheiro fácil. De tudo raspar, também se vicia na raspadinha.
A nova "raspadinha do património", que o Estado diz destinar-se a financiar os sectores da cultura, poderá ser uma rapidinha para algumas actividades culturais, mas tem custos sociais de bem longa duração. O Estado deveria ser o primeiro a dar o exemplo que os fins não devem justificar os meios, e que todas as decisões devem medidas à luz do custo que comportam e do seu benefício que produzem.
Mas não. O Estado não é definitivamente pessoa de bem!