O mundial (da despedida) de Ronaldo & Messi
Cristiano Ronaldo e Lionel Messi têm pouco em comum. Só que é muito, o pouco que têm em comum - o génio que os colocou no topo do futebol mundial durante década e meia, somando 12 bolas de ouro nesse período, com vantagem (7-5) para o génio argentino. Entre 2008 e a actualidade, só por três vezes um deles não foi "o melhor do mundo": em 2018 (Modric, em ano de mundial), em 2020 (Lewandowsky, no tributo ao golo) e neste ano (Benzema, no tributo à persistência). Durante 11 anos consecutivos ninguém se intrometeu entre eles!
Tinham, até ontem, também o insucesso comum de, ambos com o recorde de cinco presenças em fases finais, nunca terem sido campeões do mundo. O título que faz a diferença entre os melhores de sempre. Faltando o título de campeão do mundo falta sempre qualquer coisa a uma grande carreira. Faltando uma presença marcante numa fase final de um mundial, fica ainda mais a faltar. Messi já tinha sido o melhor do mundial do Brasil, em 2014. Mas não era suficiente. A Cristiano Ronaldo até isso faltava. Ambos contavam apenas com um título continental de selecções.
Este Campeonato do Mundo do Catar era a última oportunidade para ambos.O argentino já tinha avisado que seria o seu último. Ronaldo, sem tal pronúncio, terá 41 anos no próximo...
Nada mais têm em comum. São personagens e personalidades completamente diferentes, fisicamente diametralmente opostos, e jogadores totalmente distintos na sua relação com a bola e com o jogo. Messi levita no campo, Ronaldo é tracção total. Ronaldo é um atleta que ataca o espaço e a bola, Messi é um artista no espaço que pisa com uma bola colada aos pés. Ronaldo é explosão a atacar o espaço, e rapidez e potência a atacar a bola. E isso exige condições físicas e atléticas no máximo. Messi, inventa espaço onde ele não existe através do drible e do passe. Para isso Messi não precisa, nem nunca precisou, até porque nunca teve, condição atlética de topo.
Os anos pesam de forma completamente diferente nos atributos de um, e de outro. E, depois, na confiança. Como se viu. Messi continua a fazer o que sempre fez. E a marcar golos que só ele consegue. Ronaldo já não marca os golos que só ele conseguia. E, sem confiança, nem os que qualquer um marca. Para Messi, o parágrafo anterior continua a conjugar-se no presente do indicativo. Para Ronaldo tem que utilizar o pretérito perfeito.
Só por isso, dificilmente Cristiano Ronaldo poderia chegar a este Mundial em condições para fazer o que não fez nos anteriores, no apogeu do seu ciclo bio-desportivo. Não é por acaso que já passaram cinco anos sobre a sua última bola de ouro, a quinta. Então, tantas quanto Messi, que depois disso venceu mais duas e, pelo que se viu, poderá ainda voltar a ganhar a próxima.
Ao natural ciclo da vida. e às características do desempenho desportivo acrescem, depois, os traços de personalidade de cada um. Ambos terão à sua volta uma estrutura de gestão das suas carreiras pessoais e desportivas. Pouco se sabe da do discreto Messi - apenas mais um distinto traço de personalidade. Da de Ronaldo sabe-se que funcionou na perfeição durante anos, mas que não funciona mais. Tudo o que constitui a desastrosa gestão de carreira dos últimos meses, que liquidou qualquer possibilidade de sucesso na participação neste mundial, mostra que não já não funciona.
Não é nada de inédito. É da dinâmica das organizações que equipas de sucesso acabem esgotadas. Mas, e mais uma vez por traços de personalidade, não será de excluir que o "ego" de Ronaldo tenha transformado a sua estrutura, na sua corte. Que, em vez de aconselhamento lúcido e sensato, passar a dizer ao soberano apenas o que ele quer ouvir. E garantir as mordomias cortesãs.
Daqui sai a última peça do puzzle que fecha a história de dois génios da bola que chegaram ao Catar à procura do título que lhes faltava. Messi com toda a equipa ao seu lado, e com 46 milhões de argentinos atrás de si. E a encher estádios. Da Argentina saíram 45 mil. De outros pontos do mundo terão chegado mais de uma dezena de milhar. E Ronaldo a dividir a equipa, dentro e fora de campo. E a dividir o país!
Entre quem acha que Ronaldo está a arruinar uma carreira brilhante, e quem acha que quem acha isso é ingrato. E invejoso. Entre quem gostaria que Ronaldo soubesse sair dignamente de cena, e quem quer reduzi-lo à simples expressão da clubite. Entre quem lamenta que um grande jogador de futebol de expressão mundial se recuse a aceitar a lei da vida, e quem lhe exalta o ego à dimensão do fanatismo religioso.