"Obviamente demito-o"
"Obviamente demito-o" - a frase com que Humberto Delgado prometia demitir Salazar se ganhasse as presidenciais de 1958, é uma das mais célebres da política portuguesa.
Obviamente demito-o - era a frase que toda a gente esperava ter ouvido hoje a António Costa, relativamente ao ministro João Galamba. Toda a gente, e mais ainda, depois das suas declarações de ontem, à chegada a Lisboa, e à saída do aeroporto.
Durante toda a manhã ambos - e não só - discutiram o assunto. João Galamba saiu de S. Bento, a meio da manhã, sem gravata, indumentária que lhe "sustentava" a posição de ministro. Tendo entrado com gravata, e saindo sem ela, "a leitura" era que João Galamba ... já era...
Ao início da noite João Galamba apresentou o pedido de demissão. Estranhou-se que fosse tão tarde. Só uma agenda o poderia ter determinado e, essa, teria que ser a da reunião de Belém, ao fim da tarde.
Surpreendentemente, poucos minutos depois, o primeiro-ministro anuncia ao país que não tinha aceitado o pedido de demissão do ministro das infra-estruturas. Estava ainda a comunicar ao país a sua surpreendente decisão quando a Presidência da República emitia um comunicado, informando que discordava dela.
Obviamente demito-o - é o que o Presidente diz nas entrelinhas do comunicado. Obviamente, António Costa não lhe deixa alternativa.
António Costa, como qualquer observador minimamente atento, sabia que Marcelo exigia que esta oportunidade fosse aproveitada para uma remodelação do governo. Que não se contentaria com a simples substituição de Galamba que, já o tinha dito, não poderia continuar no executivo. O primeiro-ministro, mesmo que quisesse - e admito até que quisesse - não tem condições para a fazer. Ou, pelo menos, para fazer uma remodelação credível e verdadeiramente renovadora. E por isso levou a Belém apenas "a cabeça" de Galamba, retirando-a logo que pôde confirmar que, para Marcelo, não chegava.
Quem ouviu a comunicação de António Costa, sem mais dados, terá ficado surpreendido pela atitude política. Via-lhe coragem. Desafiava o Presidente da República, perante o permanente cenário de dissolução que vinha alimentando. Se é para dissolver, então dissolva agora, e não quando mais lhe der jeito. Por outro lado, deixava uma mensagem exactamente contrária àquela que tem sido dada - a do passa culpas. A da culpa passar sempre para segundas figuras, deixando cair toda a gente para salvar a pele que mais importe salvar, sem sombra de solidariedade. Costa assumia toda a responsabilidade, e todo o risco. Entre "a espada e a parede", António Costa enfrentou a espada.
Isto, em política, rende!
Na realidade, Costa não surpreendeu. Não foi corajoso, não teve sentido de Estado. Foi, tão só, político. E, para isso, habilidade não lhe falta. O Galamba que, "corajosamente" e obrigado pelo "dever de consciência", segurou lá bem alto, é o mesmo da cabeça que ele levara a Belém. Por isso, e só por isso, o Galamba demitido a meio da manhã, acabou a pedir a demissão ao fim da tarde.
A batata quente está agora a queimar as mãos do Presidente Marcelo. Só que, antes das dele, estão as de todo um país. Escaldadas!