Os benfiquistas mereciam mais
A uma jornada do fim de um campeonato que liderou desde a primeira jornada, que dominou em toda a linha, e em que tem indiscutivelmente sido a melhor equipa, o Benfica ainda não é campeão. Muito por culpa própria, mas muito, também, pelo que é o futebol em Portugal há 40 anos e que, pelos vistos, continuará a ser.
Ainda não foi desta que o 38 foi carimbado. Pelo que foi o jogo dos penáltis de ontem - apenas mais um - e pelo que foi o dérbi desta noite, que o Benfica teria de ganhar. O "match point" de hoje em Alvalade começou a ser desperdiçado na preparação do jogo, falhada em toda a linha. Como havia sido falhada a do jogo da Luz, com o Porto.
A primeira parte do jogo de Alvalade chegou a parecer decalcada desse com o Porto, quando há perto de mês e meio o Benfica desperdiçou a oportunidade de acabar, bem cedo, com este campeonato. Os mesmos erros de estratégia, a mesma apatia, e a mesma resignação levaram a equipa a entregar ao adversário o mesmo domínio do jogo.
O Benfica entrou em Alvalade como se este fosse apenas mais um jogo deste campeonato, e não o jogo que teria de ganhar para se fazer campeão.
O primeiro erro foi, com Bah recuperado e mais uma vez no banco, continuar a insistir em manter Aursenes como lateral direito. O seu rendimento na posição já é, em si mesmo, um problema. Problema maior é, no entanto, a falta que faz à equipa nas posições em que ele faz toda a diferença. Com o internacional norueguês nessa posição o Benfica não ganha um lateral direito e perde o seu mais influente jogador.
O segundo, e não menos decisivo, foi o défice de agressividade. Os jogos que têm de ser ganhos exigem entradas com os índices de agressividade no máximo. Não há outra forma. Mas a equipa não entrou claramente convencida disso, e começou a perder todos os duelos, todas as bolas divididas, todos os ressaltos... A agressividade e o querer dos jogadores do Sporting nunca encontraram resposta nos do Benfica. A atitude do árbitro João Pinheiro, ao deixar passar incólumes os excessos de agressividade leonina, em evidente dualidade de critérios, foi reforçando ainda mais a confiança dos jogadores do Sporting, cada vez mais contrastante com as do Benfica.
Nem a circunstância de na baliza adversária estar um guarda-redes com poucos jogos, e pouca experiência, pesou na estratégia para o jogo, também aí com tudo a ver com agressividade e atitude.
E assim o Sporting foi crescendo. Em confiança e, a partir daí, em qualidade técnica e táctica. Até, a partir do meio da primeira parte, depois da primeira oportunidade de golo, desperdiçada pelo Pote, passar a dominar completamente o jogo. Vlachodimos ainda adiou o golo que se adivinhava, com uma grande defesa a remate do Esgaio. Apenas isso. Logo a seguir já não evitou o primeiro golo, todo ele a espelhar a permissividade e a apatia da equipa. António Silva falhou um corte fácil, o Trincão ficou a com a bola e rematou sobre o lado esquerdo, já com pouco ângulo. Vlachodimos defendeu para a frente (ficando a ideia que poderia ter feito melhor), com toda a defesa a "dormir na forma", permitindo que o avançado do Sporting desse meia volta e voltasse a trás para a recuperar, contornar o guarda-redes, e enviá-la tranquilamente para a baliza.
Cinco minutos depois, já em cima do intervalo, a mesma passividade e o mesmo adormecimento, daria novo golo. Num canto, o Sporting voltou a marcar, com Diomandé a ganhar nas alturas a Grimaldo uma bola que deveria estar a disputar com Aursenes.
Em toda a primeira parte o melhor que o Benfica conseguiu foi uma única oportunidade de golo, ainda com o resultado em branco, num remate de cabeça do Rafa que saiu por cima da trave, por descoordenação no tempo de salto. E o 0-2 era até lisonjeiro!
Ao intervalo Roger Schemidt fez o que deveria ter feito antes do início do jogo. Em 10 minutos, fez o que não terá feito numa semana inteira. A equipa veio para a segunda parte com Bah (saiu João Mário, mais notado em Alvalade pelos assobios que por qualquer outra coisa) e Aursenes nos seus respectivos lugares, e com a mentalidade indispensável para discutir o jogo. Que mudou, por completo.
O Benfica tomou conta do jogo e só não marcou mais cedo porque o João Pinheiro não quis que o empurrão claro e ostensivo do Nuno Santos ao Gonçalo Ramos, dentro da grande área, fosse penálti. Mas é assim, este campeonato. Ontem, em Famalicão, foram quatro, e até acções com bola e jogadores fora do campo acabaram em penálti. No dérbi da Luz, o Paulinho mandou-se sozinho para o chão, e foi penálti. Este empurrão, não é nada. Siga...
Rúben Amorim percebeu que a sua equipa tinha gasto as baterias todas na primeira parte. Começou por fazer entrar Paulinho (troca com Edwards), para passar a jogar longo, para a frente.
Benfica ia juntando oportunidades ao domínio do jogo, mas o golo ia tardando. Roger Schemidt voltou a mexer, trocando Rafa e Gonçalo Ramos por Guedes e Musa. Que, três minutos depois, com uma grande arrancada, só não marcou porque o jovem Israel desviou, com a ponta dos dedos, para o canto que João Pinheiro não assinalou. Foram precisos apenas mais dois minutos para, finalmente, o golo. Aursenes, depois de ter sido carregado dentro da grande-área, levantou-se a foi ainda a tempo de responder de cabeça ao cruzamento de Grimaldo (sim, jogou, e sim, vai deixar saudades!), que recuperara a bola, do outro lado.
Rúben Amorim respondeu ao golo com ... medo. E reforçou a defesa e o meio campo, para defender o resultado, tentando repor a agressividade perdida. Ia conseguindo.
O relógio ia avançando e o Benfica não saía de cima da área adversária. Entrou Florentino (para substituir Chiquinho, acabado de amarelar) e entrou bem. A ideia que ainda haveria tempo para, pelo menos, o golo do empate ia crescendo. Entrou ainda Ristic, provavelmente para anunciar a definitiva despedida de Grimaldo.
Ia o tempo de compensação (8 minutos) a meio quando finalmente entrou a bola que não queria entrar. Rematada duas vezes pelo João neves. O menino que merecia que aquele seu primeiro golo pela equipa principal fosse o da vitória, e do título, e não apenas o do empate no dérbi. Que merecia, como mereciam os benfiquistas que estiveram no estádio - onde, mais uma vez, adeptos sportinguistas cantaram o nome do Benfica à moda do Dragão - uma abordagem ao jogo que garantisse a festa do 38. Hoje, em Alvalade!