Os números. Ou para além deles…*
O país vai-se abrindo e as quarentenas fechando-se. Entramos já na terceira fase de desconfinamento, e são residuais as actividades ainda canceladas. Já há espectáculos culturais, e até o futebol já regressou, para gáudio de uns – muitos, imagino - e desassossego de outros. Menos, talvez.
E no entanto os números com que se escreve a história desta pandemia não melhoram. O número dos mortalmente atingidos pela doença mantém-se estável há algumas semanas, mas o de novos infectados não. Esse tem vindo a subir. E a concentrar-se na região de Lisboa e Vale do Tejo, aqui à porta.
Nos últimos dias mais de 90% das novas infecções acontecem nesta região do país.
É um novo paradigma nas transmissões do vírus. Agora já não atinge idosos em lares, como maioritariamente acontecia. Agora atinge pessoas mais novas e em idade activa. E pessoas com condições sócio-económicas mais débeis e vulneráveis, em ambientes sociais mais degradados e com condições profissionais mais precárias. É sempre assim que se fecham os ciclos de miséria…
Muitos são imigrantes ilegais, no topo da precariedade laboral. Fugiram das obras encerradas por surtos da pandemia, e partiram de Lisboa à procura do único trabalho que podem procurar: o informal, o precário... Que, por cá, encontram na construção civil, mas também na campanha da fruta, que começa a iniciar-se.
Vêm entregues ao seu destino. Sem papéis e sem suporte familiar. Sozinhos. Entregues a si próprios e ao medo que os aprisiona. Muitos fogem, de medo. Não do medo, que esse nunca os larga.
Não é uma segunda vaga. É um novo problema, que não é sequer um problema novo, e que vai muito para além dos números das conferências de imprensa das autoridades de saúde.
* A minha crónica de hoje na Cister FM