Pesos e medidas*
Dois temas dominaram este período de férias de Verão que está a terminar, ou já terá mesmo terminado, para a maioria dos portugueses: o drama num lar de idosos em Reguengos de Monsaraz, e a Festa do Avante.
Ambos tinham supostamente a covid como traço comum, muito embora não seja difícil concluir que esse elo que as liga é mais instrumental que verdadeiro. Quem tenha estado atento ao que se disse e escreveu, e não esteja prisioneiro de preconceitos, ou mentalmente condicionado por fés ideológicas, percebeu que se tratou de duas ondas surfadas a preceito durante várias semanas, sempre ao serviço de uma agenda precisa e bem identificada, em que a pandemia não foi mais que a prancha.
Não quero com isto – nem de perto, nem de longe – desvalorizar o que se passou em Reguengos de Monsaraz, as 18 vidas que se perderam e, em particular e pelas informações que vieram a público, as condições em que aconteceram essas mortes. Nem as redes clientelares e as teias de poder reveladas nessas notícias. Nem quero deixar de dizer que sou de opinião que a Festa do Avante, que hoje se inicia, enquanto tal, poderia passar para o próximo ano, como aconteceu com todos os festivais de Verão. Que o PCP andou mal ao insistir teimosamente na sua realização. E que até o governo não conseguiu evitar que passasse para a opinião pública a ideia que, acima de tudo, pretendia evitar conflitos que pudessem tornar mais difíceis as circunstâncias do próximo orçamento.
Mas bastaram 16 mortes numa residência privada para idosos de classes mais abastadas para percebermos que assim foi. Nesta residência do Porto morreram de covid 16 pessoas (55%), mais de metade dos 29 utentes. Os responsáveis da empresa esconderam a ocorrência durante dias a fio, para preservar imagem e o negócio.
Mas nem se viram os artigos lancinantes que se escreveram sobre as 18 mortes de Reguengos de Monsaraz que, num universo de 80 idosos, representam 23% de mortes, bem menos de metade dos 55% do Porto. Nem debates televisivos a apontar culpas, nem sequer ninguém a exigir inquéritos e investigações.
É sempre assim. Os tempos de maior crise são sempre tempos de manipulação. E de pesos e medidas à medida das conveniências…
* A minha crónica de hoje na Cister FM