Polémica de perna curta*
A instalação de um hotel no Mosteiro, não se podendo dizer que seja exactamente uma velha aspiração alcobacense, é um velho projecto por que Alcobaça há muito espera.
A notícia chegou finalmente na semana passada, e rezava que o grupo Visabeira assinara com a Direcção Geral do Património Cultural um contrato de concessão do Claustro do Rachadouro, válido por 50 anos, que permitirá a construção de um hotel de cinco estrelas, de três pisos, 81 quartos, nove suites, e tudo o mais o que um equipamento daquela natureza requer, num investimento de 15 milhões de euros, mediante o pagamento de uma renda de 5 mil euros por ano.
E, como não podia deixar de ser, suscitou generalizada controvérsia bem animada pelo nosso crónico vício da maledicência, alimentado em doses quanto baste de preconceito e ignorância, bem apimentados pela intransigência e pelo sectarismo que fazem parte da crispação política que reina no país.
A coisa começou com a direita a acusar a política cultural da esquerda no poder, a precisar que lhe lembrassem que tudo tinha começado exactamente no governo anterior. A cor do executivo camarário também não foi esquecida… Passou para o domínio da arquitectura, e da preservação do património, mas também aí a ignorância lhe travou as pernas…
Na realidade, o aproveitamento de património colectivo de relevo histórico e cultural para fins desta natureza não só é comum em muitas partes do mundo civilizado como é, na maior parte das vezes, a única maneira de o manter e de evitar a sua degradação, muitas vezes irreversível. O nosso mosteiro não é excepção. Há muito que lá deixaram de funcionar os serviços públicos que lhe davam vida. E a última utilização que lhe foi dada – Asilo de Mendicidade de Lisboa – não lhe dava sequer a melhor das vidas.
Daí, nenhuma razão para os que fazem do fundamentalismo forma de vida.
Sobra ainda assim espaço para críticas. A concessão ter sido entregue a uma das empresas do regime, é uma delas. Tanto mais que a imprensa a deu por vencedora do concurso internacional lançado para o efeito quando, na verdade, não ganhou concurso nenhum: foi apenas a única admitida a concurso. O que dá ainda mais expressão ao ridículo do valor da renda: cerca de 400 euros por mês!
É certo que Alcobaça tem muito a ganhar com este projecto. Podem os mais cépticos apresentar algumas razões para duvidar que o saiba aproveitar, mas não é isso que diminui o potencial que representa para a cidade.
Mas não é, nunca poderá ser na renda que estejam as contrapartidas para o investidor. Estão, e só têm que estar, nos incentivos financeiros que evidente vai captar para o projecto. E no investimento público, que o Estado e a autarquia terão que fazer nas acessibilidades e no enquadramento paisagístico. E basta olhar à volta para ver que tem muito para investir!
* Da minha crónica de hoje na Cister FM