Ponto de viragem
Por Eduardo Louro
O país vibrou com as primárias do PS, disso não me parece que fiquem dúvidas. Muita gente correu a inscrever-se para votar e muita gente seguiu a par e passo a campanha, como o provam as próprias audiências dos debates televisivos.
Não sou dos que pensam que isto represente um sobressalto cívico, que o país tenha de repente saltado da cadeira – ou do sofá – e acordado para o activismo perdido. Que de repente o país se reconciliou consigo próprio, e quer intervir activamente no seu destino. Nada disso, os números ainda não dão para isso. E os partidos ainda são muito como o clube de futebol…
Mas também não acho que se possa ficar pela mera escolha de um novo líder partidário, que foi verdadeiramente a escolha de um candidato a primeiro-ministro, exista ou não essa figura.
Não sei se esta ideia das primárias veio assim tanto para ficar quanto nos vão dizendo muitos dos analistas políticos. Enquanto primárias, não me parece. Mas enquanto forma de legitimação democrática e agente da transparência e da revitalização que é necessário levar aos partidos políticos e, por essa forma, ao regime, não tenho qualquer dúvida que é muito importante que seja uma ideia para ficar. Quero com isto simplesmente dizer que não me parece que se institucionalize como ideia de primárias propriamente ditas, mas que não poderá deixar de ser a forma dos partidos escolherem as suas lideranças.
Para além do que deste processo fique para o futuro do regime, também este resultado expressivo de dois terços que António Costa alcançou, se torna no mais relevante e decisivo facto político desta parte final da legislatura.
É que ninguém no PSD pensará neste momento que Passos Coelho, com o que foi e é o governo e ainda com todos os problemas que o envolvem, e que, tantas as contradições e trapalhadas, estão longe de estar ultrapassados, tenha qualquer hipótese de ganhar as próximas eleições a António Costa. Que, há não muito tempo, sagaz, anunciou ser Rui Rio o seu adversário…
Mas Rui Rio não é apenas o adversário que o PSD tem para António Costa. É também, e acima de tudo, o líder que o PSD tem para se coligar com Costa. Quer isto dizer que o PSD percebe neste momento que só com Rui Rio garante a manutenção do poder. Contra António Costa ou com António Costa!
Creio que Passos Coelho percebe isto. E percebe que, se como António José Seguro insistir em resistir ao óbvio, poderá abrir a caixa de Pandora que afastará por muitos anos o PSD do poder. Posso estar enganado, mas não vejo como Passos possa estar a fazer outra coisa que não seja escolher a melhor forma de sair pelo seu pé…
Mais que o primeiro dos últimos dias do governo, este é um ponto de viragem!