Por que é que estão aqui?*
Cada vez se percebe melhor que o referendo britânico à sua permanência na União Europeia nunca foi mais que um instrumento de luta política palaciana.
Começou com Cameron, que sempre que estava mais atrapalhado se lembrava dele. Até, se calhar enganado pelas sondagens, fazer dele promessa eleitoral.
Não se sabe que efeito terá tido na esmagadora vitória de Cameron nas eleições de há pouco mais de um ano. Mas, a avaliar pelos resultados do referendo, não custa muito a admitir que não terá sido pouco.
Recolhida a vantagem que pretendia, alcançada a expressiva vitória eleitoral que lhe permitia manter o poder no reino e abafar os opositores internos, Cameron escondeu a mão com que efectuara o arremesso, e passou a porta-estandarte do fica. Do bremain.
No fim, não ganhou nada com isso. Tornou-se mesmo no maior perdedor do referendo, acabando a perder tudo: o partido e o país. A pedra caiu-lhe em cima, e aleijou bem.
Não foi no entanto o único a instrumentalizar o referendo. A maioria dos que deram a cara em favor do abandono, fê-lo também a contar com os dividendos que dai retiraria para o futuro. Provavelmente não o teriam feito se estivessem verdadeiramente convencidos que o resultado seria o que foi.
Hoje, uma semana depois, isso está mais ou menos dissipado. Foi no entanto demasiado evidente nos momentos que se seguiram ao encerramento das urnas, e mesmo depois de divulgados os surpreendentes resultados. Ao ponto de, praticamente de imediato, se começar a falar de um segundo referendo que corrigisse os então inesperados resultados deste.
Irónico, quando no que toca a consultas populares, a história da União Europeia é a de fazer tantas quantas as necessárias para atingir os resultados desejados.
Não menos irónica, e mais irresponsável ainda, é a reacção institucional da União Europeia. A começar na reunião imediata dos seis países fundadores, em Berlim, como se fossem os guardiães do templo. Como se, seis décadas depois, gozassem de prorrogativas especiais… Como que a puxar dos galões, sem repararem que estão ferrugentos, que já não há brilho que de lá saia…
Depois, a lamentável prestação do presidente da comissão europeia no Parlamento Europeu, quando disse aos euro deputados britânicos que era a última vez que aplaudiam, antes de lhes perguntar: “por que é que estão aqui?
Àquela hora da manhã não era plausível que o Sr Juncker estivesse já com os copos… As ususal.
E, por fim, a renovação das ameaças de sanções a Portugal e à Espanha. Por fim, não. Porque ainda sobrou tempo ao Sr Schaubler para ter o descaramento de, para voltar a ameaçar Portugal, lançar pela boca fora que está à ser preparado um novo programa de resgate ao país.
Se é desta maneira que o radicalismo cego que se apoderou dos destinos da União Europeia reage à saída de um dos seus maiores membros, a sua segunda maior economia e a quinta maior do mundo, não é preciso muito tempo para que sejam muitos mais os europeus, e não o Sr Juncker, a perguntar-se por que é que estão aqui…
* Da minha crónica de hoje na Cister FM