Pragmatismo Chocante*
A notícia surgiu no início da semana, e contava que na Alemanha, em tempo de afirmação da extrema-direita, com grandes colunas de militantes nazis a apossarem-se da rua, uma mulher acabara de criar um partido político de esquerda que se colocava ao lado dos nazis, contra a imigração.
Assim, sem mais nem menos. Mesmo para chocar, como hoje se fazem as notícias.
Fui procurar-lhe os contornos e descobri que a senhora, Sahra Wagenknecht, era deputada do partido de esquerda "Die Linke" (que quer exactamente dizer “A Esquerda”), que fundara com o seu marido, Oscar Lafontaine, depois deste ter abandonado o Partido Social-Democrata (SPD) em 2007, em rotura com Gerhard Schröder, e que, na verdade, não tinham formado outro partido.
Mantêm-se no partido, e formaram sim um movimento, a que chamaram "Aufstehen" (“Levantar-se”, em português), tão ou mais à esquerda que o seu partido – revelam mesmo como referência o “Podemos”, de Espanha, ou “A França Insubmissa”, de Jean-Luc Mélenchon – mas defendendo uma política mais dura contra os imigrantes, em oposição às fronteiras abertas e ao acesso ilimitado de imigrantes ao mercado de trabalho alemão. E explicam que é uma reação à “emigração” dos eleitores do seu partido (o tal “A Esquerda”) para o partido de extrema-direita, o AfD. Que nas últimas eleições parlamentares lhes teria roubado pelo menos 400 mil eleitores!
Como notícia, poderá até ficar menos chocante. Chocante, mais chocante mesmo, é este pragmatismo!
* A minha crónica de hoje na Cister FM