Presente envenenado?*
Com a vida parada e as pessoas em casa, com o número das pessoas infectadas a crescer diariamente a ritmo acelerado e com as notícias das primeiras mortes, o país, por enquanto ainda sem dar por isso, está em estado de emergência há já mais de 24 horas.
Até que o Presidente da República tivesse decretado o estado de emergência o país dividia-se em dois: entre os que o reclamavam e os que achavam desnecessário. Agora que está decretado, divide-se em três. Ironicamente tantos quantos os grupos em que o governo dividiu a população. Mas não os mesmos.
É que, os que antes o reclamavam, dividem-se agora em dois: os que o acham brando, que pretendiam uma coisa mais musculada, e os que entendem que tem o tom certo. Poderia então dizer-se que quem estava contra poderá ter passado a concordar com este estado de emergência em vigor, e que, assim, o país continuaria apenas dividido em dois. Poderia dizer-se isso se, entretanto, os que antes estavam contra a declaração do estado de emergência não tivessem, com isso, apenas confirmado a sua desnecessidade. E passado a ter mais razões para desconfiar.
Sobre o estado de emergência decretado, o país agora divide-se em três: os que defendem o estado de emergência “a sério”, os que defendem o que vigora para defender o Presidente da República, e os desconfiados.
O decreto presidencial do estado de emergência é uma carta branca emitida pelo Presidente da República e entregue ao governo. Só que é uma carta branca que o governo não pediu. Que não acha que lhe faça falta. E sempre que alguém dá a outrem algo que lhe não foi pedido pode sempre suspeitar-se de presente envenenado!
Um presente estranho, anacrónico, que serve mais a quem o oferece que a quem o recebe…
* A minha crónica de hoje na Cister FM