Quando a irracionalidade atropela o futuro
Leio e ouço por aí que, nas medidas do novo Plano de Estabilização Económica e Social, e no Orçamento Suplementar que hoje Centeno vai apresentar - o seu primeiro suplementar, mas também o seu último orçamento -, cabe a regra do um por um na contratação para a função pública.
Quer dizer que neste abrir de cordões à bolsa que nos há-de levar à recuperação da economia perdida com a pandemia, o Estado vai contratar mais. Pelos vistos, o dobro. Ao substituir a anterior regra de uma entrada por cada duas saídas pela nova, de uma entrada por cada saída, o Estado passará a duplicar a contratação de funcionários.
Não é preciso reflectir muito aprofundadamente para perceber que isto é um disparate. Que estas regras cegas não têm a mínima racionalidade, e se limitam a transmitir a irracionalidade instalada em toda a máquina da administração pública. E que ninguém aprendeu nada com tudo por que estamos a passar.
Por exemplo: este período mostrou, como já se sabia, que faltam profissionais nos serviços de saúde. Muitos, e em todas as áreas. Mas mostrou também que a necessidade aguçou o engenho e que a digitalização nos serviços públicos avançou mais nestes três meses que nos últimos três anos. Ou mais!
Eu próprio fiquei impressionado quando renovei a minha carta de condução em cinco minutos, sem sair de casa. Sem contactar com ninguém, e com a nova carta em casa uma semana depois. Na última vez que o tinha feito tinha passado horas numa fila no IMTT, ainda antes do horário de abertura. Quando as portas se abriram começaram a distribuir as senhas de acesso, que acabaram mesmo quando ia chegar a minha vez. E lá teve de ficar para outro dia, e mais não sei quantas horas numa fila...
É por isso natural, e mesmo imperioso, que o Estado precise de cada vez menos - muito menos - pessoas nos sectores administrativos. Mas, como se viu, precisa de mais - muito mais - na Saúde. Ou na Segurança. Como precisará mais de técnicos superiores que de pessoas de baixas qualificações.
Só por mero acaso o número das pessoas desnecessárias num lado é o mesmo das necessárias nos outros. Mas, mesmo que por incrível coincidência assim fosse, o impacto orçamental - que no fundo seria o que importaria controlar - seria sempre completamente distinto.
Em tempo de projecto de recuperação e de mobilização para as tarefas da retoma, falar em regras destas soa a qualquer coisa de medieval. Atropela o futuro e mata a esperança!