Realidade desfocada*
Temos todos a impressão que o país está a atravessar uma maré alta de agitação social, com uma onda de greves a níveis nunca antes atingidos.
Esta é a percepção que temos, e que temos por indiscutível. Antes de percebermos se esta percepção sensorial tem ou não correspondência com a realidade, convém que percebamos por que é que a temos, e com tamanha convicção.
Temo-la, em primeiro lugar, porque raramente as greves tiveram uma concentração temporal como agora. As greves existem para causar problemas, para introduzir disfunções nos sistemas, para provocar incómodo social, se não o fizerem não têm eficácia. A percepção que delas temos é tanto maior quanto mais perturbação conseguirem introduzir. E tanto maior ainda quanto mais concentradas no mais pequeno espaço de tempo. Como está a acontecer.
Quanto mais perturbadoras e mais concentradas, maior impacto têm na comunicação social, que mais amplifica ainda essa percepção, num inquebrável ciclo vicioso.
A verdade é que, nem de perto nem de longe, esta percepção encontra correspondência na realidade. Nos últimos 14 anos, de 2005 até agora, houve em média 876 pré-avisos de greve por ano. O recorde foi atingido em 2012, com 1895 pré-avisos de greve, mais do dobro da média, seguido de 1534, no ano seguinte, em 2013, em pleno período da troika, e no auge do governo anterior. No sentido inverso, os três anos com os mais baixos pré-avisos de greve são 2009, com 376, 2016 com 488 e, veja-se bem, 2018. Nem mais, neste ano que nos querem apresentar como surpreendente, terrível e nunca antes visto, até Novembro, foram apresentados 518 pré-avisos de greve. Pouco mais de metade da média dos últimos 14 anos!
Então, se as coisas são assim, por que é que continua a fazer caminho uma ideia tão distante da realidade?
Pela mesma razão porque são lançadas todos os dias notícias falsas, ou manipulados oportunisticamente determinados factos. Porque simplesmente há quem tenha interesse nisso…
* A minha crónica de hoje na Cister FM