Reviravolta
Depois da mudança de treinador, do fecho do mercado (as entradas de Akturkoglu e Amdouni, e a saída de Marcos Leonardo foram mesmo o último suspiro à janela), do regresso dos jogadores das selecções - esta paragem, com outra já dentro de um mês, é um absurdo -, e daquele episódio deprimente com que alguém que não tem noção (quem não tem a noção do tempo, não consegue ter a noção de nada) quis fazer prova de vida, o Benfica regressou à Luz. Que voltou a encher-se, como sempre, mas desta vez com a esperança renovada.
Com apenas dois dias para preparar o jogo, Bruno Lage manteve toda a linha defensiva. A partir daí apenas Florentino - a desempenhar sozinho a função de cobertura no meio campo -, Di Maria e Pavlidis se mantiveram na equipa. Kokçu e Rollheiser jogaram nas funções de construção, e Akturkoglu entrou directamente na equipa para completar, na esquerda, o trio de ataque.
O ambiente das bancadas era de entusiasmo, do maior que se viu nos últimos largos tempos. Foi sobre esse entusiasmo que, logo aos 20 segundos, o golo do Santa Clara caiu que nem um balde de gelo.
Não havia pior maneira de começar. A primeira vez que um jogador do Benfica tocou na bola foi para a tocar no círculo central, donde os jogadores da equipa açoriana tinham acabado de a tocar no pontapé de saída. Atrasaram-na para o guarda-redes, que a chutou para a frente. Otamendi, num movimento digno de um juvenil, falhou o corte e a bola ficou ali à frente do avançado do Santa Clara, bastando a Vinicius dar-lhe um toque para a fazer passar por cima de Trubin.
Se, por tudo o que acontecera nos últimos dias e semanas, a tarefa dos jogadores do Benfica já não era fácil, com este arranque de jogo - era o golo, mas era ainda consequência de um erro tremendo do capitão - ficava ainda mais complicada.
A equipa reagiu, mas as coisas não saíam bem. Via-se que a equipa procurava outra dinâmica - Bruno Lage tinha dito que mais importante que o sistema era a dinâmica - mas a ansiedade dos jogadores, e também naturalmente a falta de treino, levavam a uma sucessão de passes falhados, mesmo de baixo risco, que emperrava qualquer dinâmica. Há uma ou duas semanas, as bancadas reagiriam com assobios. Hoje estavam incondicionalmente com a equipa, e isso foi fundamental.
Se o colectivo não funcionava, se o jogo associativo se ia perdendo nos passes falhados e na oposição do adversário que, apanhando-se a ganhar, não saía lá de trás, tiveram que ser as individualidades a tentar resolver. Normalmente isso não funciona, mas hoje foi a forma da equipa se ir recompondo, passar a dominar o jogo, criar oportunidades para marcar. Ter marcado na primeira -antes Pavlidis vestiu-se de Gyokeres, mas não foi feliz no remate - também ajudou. Tranquilizou os jogadores e deu-lhes a confiança necessária para que as coisas passassem a correr melhor.
O primeiro golo, o do empate, resultou claramente da qualidade individual de Kokçu (passe picado para ultrapassar a densa linha defensiva contrária) e do estreante e seu compatriota Arkturkoglu, a desmarcar-se e marcar com um toque de classe. Seis minutos depois, aos 34, no primeiro canto do desafio, consumava-se a reviravolta.
Foi o primeiro golo de canto da equipa que mais cantos tem no campeonato. Percebeu-se o trabalho que antes se percebia não existir: canto curto, cruzamento rigoroso de Di Maria para o segundo poste, donde Otamendi assistiu, de cabeça para o golo de Florentino, de rompante no lado contrário.
Era o segundo golo, em duas oportunidades. Só a partir daí o Benfica passou a criar oportunidades sem concretizar em golo. Também o Santa Clara criou então a sua segunda oportunidade de golo, num remate ao poste direito da baliza de Trubin.
Ao terceiro canto, logo no arranque da segunda parte, num cabeceamento de António Silva, o Benfica fez o terceiro. Se já dominava completamente o jogo, com o terceiro golo, jogadores e adeptos sentiram que já nada impediria a vitória. O resultado acabou por se fechar com o espectacular golo de Di Maria, ainda antes de atingido o primeiro quarto de hora da segunda parte, num coeficiente de aproveitamento na ordem dos 40%.
Bruno Lage ainda chamou a jogo Amdouni (Rollheiser), Prestiani (Di Maria), Schjelderup (Arkturkoglu), e Cabral (Pavlidis). E bem. Sem ser no último minuto, e todos com tempo e oportunidade de mostrar que podem também ser titulares.
Bruno Lage tinha referido que a dinâmica importa mais que o sistema. Com dois dias de trabalho já foi possível ver que a equipa foi mais dinâmica. E - parece-me - é possível esperar que o treino trará as rotinas e dinâmicas de um futebol entusiasmante por que há muito aguardamos. E para a reviravolta!