Revolução em tempo de guerra
Na ressaca de mais uma jornada de Champions, há menos de 72 horas e com oito jogadores afastados por lesão, o Benfica tinha hoje uma difícil tarefa em Ponta Delgada. Às dificuldades esperadas, por essas circunstâncias e pela qualidade que o Santa Clara tem apresentado ao longo do campeonato, juntava-se a chuva, o vento e um relvado impróprio.
Para enfrentar essas dificuldades Bruno Lage decidiu-se por uma revolução na equipa, com quatro estreias no onze titular: Leandro Santos, da equipa B no lado direito da defesa, para onde não havia mais ninguém; Dahl, o jovem sueco recém-chegado para a lateral esquerda, que jogou na posição ultimamente entregue a Schjelderup, numa opção a que Bruno Lage já tinha lançado mão com o recambiado Beste; Bruma, numa espécie de segundo avançado e Belotti, na posição 9, de Pavlidis.
A estas quatro novidades absolutas no onze inicial, juntavam-se ainda Amdouni e Leandro Barreiro, titulares pouco usuais - uma revolução. Em tempo de guerra.
O jogo começou com os jogadores do Benfica a revelarem grandes dificuldades em segurar-se no relvado, escorregando com grande frequência. Porventura por má escolha de pitons, porque na segunda parte, e com o relvado em pior estado, isso não foi tão notório.
A primeira situação de golo do jogo decorreu precisamente de uma escorregadela de Carreras, que deixou a bola à mercê do avançado açoriano, Vinícius, isolado. Valeu a excelente intervenção de Trubin, a dizer à equipa que podia contar com ele.
Sem fazer uma exibição por aí além, o Benfica ia dominando o jogo. Se, nos primeiros minutos, o Santa Clara parecia deixar a ideia de ali estar para discutir o jogo cara a cara, depressa se percebeu que não. Que estava ali para defender e esperar um erro, ou uma escorregadela, que lhe permitissem lançar o contra-ataque.
Disputavam vigorosamente todas as bolas, muito frequentemente em faltas sucessivas que nem sempre o Hélder Malheiro punia. E ganhavam quase todos os ressaltos, mesmo sem que se possa dizer que os jogadores do Benfica abdicassem da disputa. Alimentavam-se disso!
No Benfica, a revolução não revolucionava, mas também não comprometia. O miúdo Dahl ia cumprindo bem a função que lhe fora desempenhada, incluindo na cobrança das bolas paradas, tarefa que terá herdado de Beste. O miúdo Leandro Santos, melhor a defender que a atacar, e à beira de comprometer por duas vezes, com perdas de bola em zonas difíceis, ia fazendo pela vida. Belotti continuou sem conseguir convencer, e desperdiçou no mesmo lance por duas vezes - à segunda com a baliza completamente à disposição, sem nada nem ninguém a obstar - uma das quatro oportunidades de golo construídas, entre elas a bola na barra, no remate de cabeça de António Silva. Era Bruma quem estava mais em jogo e, mesmo sem criar grandes desequilíbrios, ia contribuindo para o que de melhor a equipa apresentava.
Quer era pouco. Faltavam ligação e imaginação para romper com o esquema defensivo dos açorianos.
Ao intervalo Bruno Lage fez entrar Kokçu (tirando Florentino, que até tinha estado bem na sua função recuperadora) precisamente para resolver esse problema.
A segunda parte começa com mais uma grande oportunidade desperdiçada, dessa feita por Bruma, e com 10 minutos muito movimentados, que culminaram no golo - único - do jogo, numa jogada tida por impossível no estado daquele relvado.
Kokçu - lá está - rasga a defesa açoriana com um passe magistral a que Amdouni responde com o cruzamento para o espaço entre a defesa e o guarda-redes, onde surge Bruma a desviar. Tudo simples, tudo ao primeiro toque, tudo com a bola rente à relva. Bonito de ver!
A partir do golo os jogadores do Santa Clara endureceram ainda mais o jogo. Chegaram mesmo ao jogo violento, e da mão de Hélder Malheiro começaram a saltar cartões amarelos.
A meio da segunda parte Bruno Lage lança Pavlidis, para o lugar do desiludido - e desilusão - Belotti, e Akturkoglu, para o de Amdouni, salvo pela assistência a Bruma. O Benfica ia somando desperdício, até que, à entrada do último quarto de hora, o defesa Sidney Lima vê o segundo cartão amarelo e é expulso.
Esperava-se que, contra 10, o Benfica resolvesse definitivamente todas as dúvidas. Mas não. Mais por demérito que por mérito do adversário, o Benfica não soube jogar com a superioridade. Ao contrário do que acontecera no Mónaco, na quarta-feira, não conseguiu agarrar o jogo e dominá-lo de alto a baixo. Apenas conseguiu construir mais duas ocasiões de golo (João Rêgo e Pavlidis), mas já dentro dos 6 minutos de compensação que o árbitro atribuiu.
É certo que o Santa Clara apenas por uma vez esteve perto de marcar - aos 82 minutos, numa recarga de Venâncio, ao lado da baliza do atento e seguro Trubin. Mas voltou a haver a ansiedade dos últimos minutos. Também porque as últimas substituições não terão sido as mais avisadas. A entrada de João Rêgo para o lugar do estreante Leandro Santos, já esgotado, compreende-se. Já a de Nuno Félix, em estreia, para substituir Bruma, quando era necessário experiência para controlar o jogo, terá tido uma boa dose de imprudência.
E pronto, lá fica mais uma vitória tangencial e sofrida quando, mesmo em tempo de guerra, poderia ser avantajada e tranquila. E como o Sporting empatou com o Arouca, em Alvalade, em apenas uma semana o Benfica recuperou quatro dos seis pontos que tinha de desvantagem. Uma boa notícia, no dia em que a notícia é a morte de Pinto da Costa.