Salário mínimo estrutural
Começa hoje na Assembleia da República a discussão do Programa do Governo, de que muito se tem ouvido falar nos últimos dois ou três dias.
Do que mais se tem falado, e o que mais tem sido enfatizado, é do aumento do salário mínimo nacional até aos 750 euros no final da legislatura, daqui a quatro anos. Se ela lá chegar, mas isso são outros quinhentos...
Lembramos-nos do circo que se monta cada vez que se fala em aumentar o salário mínimo. Nunca pode ser, o país não aguenta, as empresas não resistem, e vem aí o desemprego. É este o circo que estranhamos que não esteja já montado, desta vez. E que, pelo contrário, haja como que um consenso nacional à volta do aumento do salário mínimo. E mais estranhamos ainda que tenham sido as organizações patronais os primeiros a aplaudir a medida.
Há quem veja nisto um mero apontamento táctico. Para defender o bem maior da legislação laboral, como se sabe o epicentro do fenómeno de implosão da geringonça, governo e entidades patronais davam as mãos na política de rendimentos e em particular no salário mínimo. Mas poderá, no entanto, ser algo mais estratégico.
O problema do salário mínimo em Portugal é ter deixado de ser o salário mínimo. Com a troika, e especialmente com o governo que quis ir, e foi, além da troika, o salário mínimo perdeu o adjectivo e ficou simplesmente salário. O problema é que, em vez de mero indicativo de referência, o salário mínimo passou, pelas mãos de Passos e Portas, a referencial da prática salarial.
O problema do salário mínimo em Portugal já nem é - pasme-se - estar muito abaixo da média europeia e ser mesmo um dos oito dos mais baixos (em poder de compra) da Europa. O problema é que o salário mínimo é hoje a retribuição de perto de um quarto dos trabalhadores portugueses, quando em 2001 era o de apenas 4% deles, e está encostado ao salário mediano, pouco acima dos 800 euros. Portugal tem, a seguir à França, o salário mínimo mais próximo do mediano (61%). Só que, em França (62%), o salário mínimo é o dobro do português.