Sempre a Europa a pagar as favas
A não ser que o cheiro a pólvora comece a entrar fortemente pelas narinas da poderosa indústria de armamento americana, e a despertar-lhe o irresistível apetite pela oportunidade, não me parece que se confirmem, neste momento, as mais dramáticas perspectativas de guerra generalizada a partir da Ucrânia.
À excepção dos militares russos, e naturalmente dos cidadãos ucranianos, não há ninguém disposto a morrer na Ucrânia. E aquilo que se pode neste momento prever também já será suficiente para aconchegar as barrigas do negócio das armas, por insaciáveis que saibamos que são. Tudo indica, pois, que os ucranianos vão ficar entregues a si próprios, e que os russos se vão começando a enterrar num atoleiro bem mais fundo do que aquele em que se enterraram em 1979, no Afeganistão. do qual pode até bem ser que já nem seja Putin a sair.
Para já não me parece perspectivável que o Ocidente vá para além das sanções económicas, de que a Europa é evidentemente quem mais vai sair a perder. Mas isso é o inevitável curso da História da Europa que, sem política externa e resignada ao conforto de um ténue abrigo no chapéu americano, se deixou chegar aqui.
A eficácia das sanções é praticamente nula, e vão fazer ricochete para acabarem a atingir que está mais próximo do destino previsto - a Europa. Que, no actual contexto inflacionista e de dependência energética da Rússia, vai pagar cara esta factura.
Quem mais generalizadamente sofre com as sanções são as populações. A doutrina das sanções é que o agravamento das suas condições de vida promova a sua revolta e, a partir dela, a desagregação do poder político que as dirige. Só que isso não funciona em regimes autocráticos, com máquinas de repressão capazes de esmagar toda e qualquer sublevação popular. Menos ainda num país com a História da Rússia, e menos ainda na forma de Putin exercer o poder.
Daí que estas sanções venham rotuladas de inteligentes - smart sanctions -, supostamente direccionadas às elites da oligarquia de Putin. Mas também aí a eficácia tem perna curta. Porque os grandes oligarcas russos já têm almofada para tudo, e alguns até já têm outras nacionalidades - veja-se Abramovic, o novo cidadão português -; e porque a própria economia russa, mesmo que débil, e até por isso, tem mecanismos próprios de sobrevivência.
O poder pessoal de Putin, a única coisa que verdadeiramente lhe interessa, continuará intocável na sua redefinição da História, com a máquina militar focada na Ucrãnia enquanto a da intelligentsia continuará a sua tarefa pelo mundo, e em particular na Europa, em cuja destruição concentra o seu objectivo de defesa pessoal. Na espionagem, nos ciber-ataques, e na promoção do desenvolvimento da extrema direita.
Isto é, sempre a Europa a pagar as favas…