25 de Abril. Sempre!
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O governo encontrou no luto pelo Papa Francisco um bom pretexto para não festejar o 25 de Abril. Que, de qualquer maneira, já não festejaria. Na realidade não se lhe conhecia qualquer iniciativa, nem sequer vontade, para festejar o 25 de Abril. Porque o 25 de Novembro é que é para festejar!
Como se isto - justificar porque não festeja o que nunca festejaria - não fosse já hipocrisia da grossa, depois de o governo, pela voz do superlativo Leitão Amaro, ter vindo dizer que o "luto nacional" prevê "restrições e limitações" , e "impõe reserva relativamente às celebrações" - com o que pretendia exactamente isso: que as pessoas se restringissem e se limitassem na festa - vem, depois, já não pela voz, mas pelo punho do gabinete do mesmo superlativo ministro, dizer que não. Que não impõe quaisquer restrições à celebração do 25 de Abril - era mesmo só o que faltava! -, que essas limitações e restrições são apenas para os membros do governo.
A isto poderia chamar-se simplesmente falta de vergonha. Mas chama-se intrujice, artimanha, trapaça, falácia e pulhice. Tudo junto!
Passam hoje 50 anos sobre um dos mais marcantes momentos do processo iniciado em 25 de Abril. O PREC (Processo Revolucionário Em Curso) começou verdadeiramente em 11 de Março de 1975. Aqueceu com a Primavera, mas foi no Verão, nesse Verão quente de 75, que escaldou. Incendiou-se, literalmente!
Foi-se esgotando á medida que o Verão se ia aproximando do fim... Até chegar Novembro... Novembro, 25. A data que completa a triologia da revolução dos cravos, e que fecha os 19 meses mais vertiginosos da História de Portugal!
É esta a trilogia que completa a Revolução dos Cravos. Também há, claro, o 28 de Setembro (1974), no primeiro estrebuchar de Spínola, e ante-câmara do 11 de Março. Não há que tirar de uma para pôr noutra, há apenas que saber que, se cada uma tem o seu papel, nenhuma teria existido sem a de 25 de Abril.
Se quisermos espreitar os rostos desta trilogia encontraremos certamente a cara de Salgueiro Maia no 25 de Abril, e a de Jaime Neves no 25 de Novembro, por muito que tenha sido a de Ramalho Eanes a impor-se aos acontecimentos. No 11 de Março pouca gente identificará o rosto de Dinis de Almeida, o jovem major, ao centro na imagem acima, que retrata o momento central - tão caricato quanto marcante - dos acontecimentos que marcam esta data histórica. É o episódio em que o herói do 11 de Março, comandante do então RAL 1 (Regimento de Artilharia Ligeira) e depois RALIS, atacado pelos páraquedistas de Tancos, dialoga com o comandante das forças agressoras (de costas) em frente às câmaras da RTP, que acaba a confessar-se enganado.
Acabava ali a tentativa de golpe de Estado patrocinado por Spínola que, curiosamente, tinha tentado o apoio de Jaime Neves (disse-lhe que só obedecia à hierarquia) e de Salgueiro Maia, que nem lhe atenderia o telefone...
A Spínola, derrotado na rua e nos palácios do poder, restou-lhe fugir do país e entrar na rota do terrorismo, pela via da violência bombista que patrocinou em 1975 e 1976. Até ser reabilitado por Mário Soares, reintegrado no Exército em 1978, e nomeado Marechal em 1981, tudo a tempo de, em 1984, vir a presidir à Comissão das Comemorações do 10º Aniversário do 25 de Abril, tornando-se de certa forma num símbolo da Revolução dos Cravos. Não pelo que nela representou, mas pela generosidade que dela representa.
Não sei se toda a gente sabe quem é Celeste Caeiro, hoje falecida. Mas toda a gente sabe que o cravo vermelho é o símbolo de Abril.
Este é o da minha neta, da Emília - hoje com doze, completados há uma semana - pintado aos 6 anos. Sem a Dª Celeste, por acaso nascida poucos dias depois da minha mãe, se ter lembrado de distribuir pelos soldados, ali pelo Rossio, os cravos comprados para celebrar o primeiro aniversário do "Sir", o restaurante em que trabalhava, na Rua Braancamp, que o patrão - por causa da revolução o restaurante não iria sequer abrir - lhe mandara devolver à Ribeira, o 25 de Abril não teria sido a mesma coisa.
Sem a Dª Celeste, não teria sido a Revolução dos Cravos. Nem eu teria esta pintura da minha neta...
Eram muitas as nuvens que ensombravam estes 50 anos de Abril. Nunca, como nos dias que correm, pairou no ar a ameaça que o 25 de Abril sairia deste aniversário de meio século ainda mais amachucado. Que cinquenta anos é muito tempo. Tanto que levaria ao esquecimento do que foi, e mais ainda do que é. Que os jovens não sabem, nem querem saber, o que foi a ditadura, a PIDE, a censura, a guerra, as prisões ... E que a liberdade, que nunca lhes faltou, é o bem mais preciso da condição humana.
De repente, as nuvens desapareceram, o sol brilhou, e o povo saiu à rua em festa. Como nunca se tinha visto. E disse que o 25 de Abril não morreu. Que está vivo, e não divide. Une. E uniu como há muito se não tinha visto!
Foi bonita - de novo - a festa. Nas ruas, e na Avenida da Liberdade, cheia como talvez nunca.
Foi digna, também na habitualmente cinzenta cerimónia oficial na Assembleia da República. Ainda dividida pelos cravos vermelhos, mas menos dividida. O cravo vermelho, que em anos anteriores víamos na mão do actual Presidente da República, naquela ambígua atitude de não o evitar, mas também de não o assumir, estava desta vez ao peito, onde pertence. Não foi o único que naquela cerimónia o usou pela primeira vez no sítio certo. Houve mais, e é bom sinal.
Os discursos foram maioritariamente dignos e apropriados. Muito bons os de Rui Tavares e o da jovem Ana Gabriela Cabilhas, do PSD, lamentavelmente sem cravo ao peito. Que bem lhe teria ficado!
Também bons, e apropriados, os dos dois mais altos magistrados da Nação.
O Presidente da República deixando de lado as "patetices" dos últimos tempos, e ignorando - bem - as provocações que lhe tinham sido dirigidas, num registo evocativo ao jeito de uma lição de História, deu o mote de unidade que depois vimos nas ruas. Igualmente digno o do novo Presidente da Assembleia da República, com Aguiar Branco, de cravo ao peito, a lembrar e homenagear os quatro portugueses que tombaram naquele dia 25 de Abril de 1974. As últimas vítimas da PIDE, que manchou de sangue a Revolução sem sangue.
Pela negativa, o de Paulo Núncio, do CDS à boleia. Bafiento. E o de Rui Rocha, que fez da "gaivota que voava" um drone para atingir Marcelo.
André Ventura não entra nestas contas. Fez um comício, como se estivesse numa feira. Não estava ali para outra coisa que não o que sempre faz quando tem câmaras de televisão por perto.
Esse não gostou da festa!
Luís Montenegro vai hoje apresentar ao Presidente da República a lista de nomes para o novo governo. Dessa, pouco ainda se sabe neste momento, correndo-se até o risco de, o que se sabe, vir a não a confirmar-se. Sabe-se, depois dos resultados das últimas eleições, e mais ainda depois daquelas 30 horas que marcaram o início da nova legislatura só para escolher a Presidência da Assembleia da República que, só por milagre, não será um governo de curta duração.
No ano em que comemoramos 50 anos do 25 de Abril enfrentamos óbvias ameaças à nossa convivência democrática. E, em vez de celebrarmos a maturidade (de 50 anos) democrática e os valores da liberdade, da fraternidade ("em cada esquina um amigo") e da justiça social ("em cada rosto igualdade"), vemo-nos reduzidos à obrigação de defender o fundamental de um regime que não conseguiu evitar a fatalidade deste destino!
Foi há cinquenta anos que o 235 de Abril se enganou na data ...
Tudo correu como esperado. Lula foi recebido no dia 25 de Abril na Assembleia da República, mas não esteve no 25 de Abril da Assembleia da República. Bem pensado por Augusto Santos Silva, dizia Marcelo, ainda a caminho.
A Iniciativa Liberal representou-se apenas pelo seu líder, o Ventura fez o seu número, e Augusto Santos Silva voltou a "dar-lhe", com força - "chega de envergonhar Portugal" - e pediu desculpa pela vergonha. Aplaudido por todas as restantes bancadas, menos uma. A do PCP. O que se repetiria no discurso de Lula ... quando condenou a Rússia pela invasão da Ucrânia.
Lula aprende, sem surpreender. O PCP não. Nunca aprende, nem nunca surpreende.
Lá se foi Lula, a tempo de ir almoçar a Madrid, e de se iniciar a sessão oficial das comemorações, deixando tranquilos todos os que achavam indigna a sua participação. Os cravos já lá estavam, no seu sítio. E no peito da maior parte dos presentes, incluindo no de Lula.
Os cravos, sempre os cravos a dividir uns dos outros. E lá estavam os militares de Abril, os que sobram. Dos antigos Presidentes da República, nem isso. Apenas Ramalho Eanes. Os outros já partiram, e Cavaco voltou a mostrar que ... não faz falta. E que porventura nem é digno de o ter sido.
E começaram os discursos. A propósito, e com propósito, com maior ou menor inspiração, mais ou menos arrebatadores. Bem construído o de Rui Tavares, e bem articulado com a exaltação da obra de Chico Buarque - que ontem recebeu, finalmente, o Prémio Camões de 2019, cuja entrega havia sido sucessivamente boicotada por Bolsonaro -, e bem lido, ou bem representado, o de Catarina Martins.
Todos de cravo, à excepção de Rui Rocha. Que fez mal em deixar-se ficar sozinho ("o outro" não conta). Até porque nem Joaquim Miranda Sarmento o negou, mesmo quando todos os deputados do grupo parlamentar que lidera os deixavam inertes na bancada, à sua frente.
Para Marcelo, já se sabe, cravo só na mão. Não discretamente na mão, porque Marcelo num é discreto. Mas ambiguamente na mão, na permanente obsessão de agradar a todos.
Chegada a hora dos discursos dos mais altos magistrados do Estado, Augusto Santos Silva optou por recados ao Presidente Marcelo. Criou uma figura - o "tempo democrático" - para encaminhar o discurso para a estabilidade da legislatura, para lhe dizer que páre lá com a conversa da dissolução do parlamento. Que é "tempo democrático" que dita a duração das maiorias e não a sofreguidão do poder.
Marcelo não surpreendeu ao responder, sem responder, que é o povo o "efectivo garante da estabilidade", e que em democracia "há sempre a possibilidade de se criar caminhos diversos". Também não surpreendeu ao defender a presença de Lula, explicando-a mais em jeito de se desculpar pelo o imbróglio que ele próprio criou, e que alastrou para polémica, do que de outra coisa. Onde surpreendeu foi na forma como explicou muitas coisas ao Chega. Como se fossem muito burros...
Que não são. Pelo menos, ele, "o outro", não é. É muito esperto a explorar a "burrice" dos outros!
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