Acesso bloqueado
Adivinhar o futuro
É muito duro, é muito duro ...
Adivinhar o passado
É mais seguro, é mais seguro ...
Agora adivinhar o presente
Mesmo se fosses vidente
Isso é que é mais complicado
Tem o acesso bloqueado
Estas são as palavras com que Sérgio Godinho fez a canção a que fui roubar este título, que espelham o que se está a passar na Europa, com o bloqueamento do eurogrupo. Primeiro, Alemanha, Áustria, Finlândia e Holanda, bloquearam qualquer forma de dívida conjunta para financiar o ataque à pandemia e à recessão por ela provocada. As eurobonds, ou coronabonds como agora lhe quiseram chamar para lhe dar novidade e cortar qualquer ligação com o passado recente da crise das dívidas soberanas, propostas por Espanha, França, Grécia, Itália e Portugal morreram aí. Por muito que Itália, mas também a França, continuem a insistir na ideia.
Não havia alternativa, e o financiamento para esta encruzilhada em que nos encontramos teria de ser encontrado no chamado mecanismo europeu de estabilidade (MME), o mesmo que tinha sido utilizado para os chamados programas de ajustamento em Espanha, e na Grécia e Portugal, com a troika. Apuraram-se os montantes e tudo parecia que parecesse avançar. Os montantes eram claramente insuficientes, mas poderia argumentar-se que era para as primeiras impressões. Depois haveria mais...
E o grande bicho de sete cabeças do MME estaria afastado.
Na Europa tudo tem nomes bonitos, e até a um bicho enorme e monstruoso com sete cabeças, se chama, com alguma ternura, condicionalidades. Ou outros nomes igualmente ternurentos como "condições económicas". Ninguém lhe chama austeridade brutal para pagar com língua de palmo esse financiamento.
Portugueses e gregos sabem bem o que é isso. E os italianos viram-no bem de perto.
Quando Centeno esfregava as mãos, e já pegava no copo para brindar, o senhor Wopke Hoekstra - mais um nome impronunciável, de mais um ministro das finanças holandês, porque só as moscas mudam - diz que não senhor. Quem recorrer ao MME tem de se sujeitar "às condições económicas".
A Holanda - e não é porque o senhor Wopke Hoekstra assim o queira, é porque assim quer o Parlamento holandês, e porque assim querem os holandeses, que votam - não aceita sequer que qualquer país membro recorra a estes financiamentos sem ficar obrigado a um programa de intervenção que garanta o regresso a curto prazo ao cumprimento dos critérios do défice e da dívida.
É cada vez mais claro que este problema, único e sem precedentes, não se resolve apenas com dívida, é também necessário imprimir dinheiro. Isto, a que estamos a assistir, é como alguém, numa emergência, ter que sair de Lisboa para chegar ao Porto impreterivelmente duas horas depois e ficar bloqueado ali em frente ao Ralis.